Leia “Falas curtas”, de Anne Carson, sem tentar entender o livro

Obra da escritora canadense foi feita, aparentemente, para ser lida em voz alta e causar dúvidas em quem lê

“Falas curtas”, de Anne Carson, apareceu em listas de melhores do ano em 2022 e, curiosamente, não existem muitas resenhas disponíveis sobre ele na web. O livro foi um dos destaques da revista “Quatro Cinco Um” que, num texto antigo, sobre outro livro dela, disse que Carson pratica um “exercício de apagamento”. Faz sentido.

A escassez de textos sobre “Falas curtas” significa que as pessoas – jornalistas e escritores, na maioria – que votaram no livro para melhor do ano não chegaram a escrever sobre ele em lugar nenhum. 

É uma pena porque “Falas curtas” é um livro que pede para ser lido com mais pessoas ao mesmo tempo, como num clube do livro. Em voz alta, se for possível. Como fazem com poesia. Na falta de um clube de leitura, uma resenha poderia quebrar um galho.

Anne Carson

Mas dá para entender por que tão pouca gente decidiu escrever sobre o livro: é difícil escrever sobre algo que não foi feito para ser entendido. Ao menos não como costumamos entender um livro com trama, personagens, um começo e um fim. 

Parece que a proposta de “Falas curtas” é causar efeitos nas pessoas. E esses efeitos são variados porque são muitas as imagens que Carson cria. Ela escreve, por exemplo, em “Fala curta sobre destinos de viagem”, um dos textos mais breves do livro: “Viajei até um lugar em ruínas. Havia três portões escancarados e uma cerca quebrada. Não eram escombros de nada em especial. Um lugar chegou ali e se espatifou. Depois disso ficou sendo um lugar em ruínas. A luz batia nele”.

Que lugar era esse? Se não era especial, por que ela foi até ele? Como é que um lugar se espatifa? E o que a luz que batia nele tem a ver com a história? (Acho que é mais ou menos isso que acontece quando você lê Anne Carson. E é assim mesmo que tem que ser.)

“Falas curtas”

Para ser justo, encontrei uma resenha de “Falas curtas” no jornal “O Globo”. Nela, o autor do texto diz que o livro é feito de “poemas que se esquivam diante da compreensão”. É um jeito simpático de dizer que eles não fazem sentido. Ao menos não à primeira vista. Ou não numa primeira leitura. (A edição da Relicário é linda e bilíngue, com tradução de Laura Erber e Sergio Flakman.)

Não sei afirmar com certeza que o livro de Anne Carson é feito de poemas. E também não sei exatamente o que são os textos que ela escreve. “Falas curtas” é um título curioso porque, no fim, as falas são escritas (óbvio, né? Mas mesmo assim). 

Ou talvez o título seja uma dica de como os textos devem ser lidos. Pensados como falas, eles não têm o mesmo efeito se forem lidos em silêncio. 

O livro é curtinho, li rápido uma primeira vez e não recomendo fazer isso. Porque desse jeito não saquei quase nada do que li. Não é um livro para ler como se fosse um romance de 300 páginas. O melhor é ler devagar e em voz alta. Se puder ler para alguém, melhor ainda.

Livro

“Falas curtas”, de Anne Carson. Tradução de Laura Erber e Sergio Flaksman. Relicário, 108 páginas, R$ 52,90. Poesia (dizem os dados catalográficos).

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima