Giovanni Caruso contém multidões

Mais otimista, vocalista e compositor da banda Escambau lança disco solo e livro de contos, ambos de maneira independente

“Você por acaso não toca em uma banda?”, perguntou o rapaz um tanto agitado, que estava sentado na nossa frente com duas garotas tomando drinques coloridos. Giovanni Caruso, com uma calma monástica que não combina com seu corte de cabelo, disse que tocava não em uma, mas em várias bandas.

O sujeito se deu por satisfeito com a resposta, ainda tentando puxar pela memória de onde conhece aquele cara com pinta de rockstar. Estávamos no agora famoso bar Aquarius (Dionísio, para os mais jovens), na avenida João Gualberto, na mesmíssima mesa onde acordaram o Pedrinho para jogar um campeonato de sinuca. Tá frio e somente os antigos clientes – boêmios com mais de 50 anos – apoiam seus cotovelos no balcão, comentando uma partida morna do Botafogo.

Giovanni Caruso

A serenidade com que Giovanni Caruso, vocalista e principal compositor da banda Escambau, responde as perguntas contrastam com a inquietude de sua mente que “vaga em um fluxo sem fim”, e que o leva a lançar quase simultaneamente um disco solo, “Sacro e Profano”, e seu primeiro livro de contos, “Bob Dylan Contém Multidões”. Ambos de forma independente, bancados do próprio bolso. Ambos produtos de um quase cárcere em família, causado pela pandemia da covid-19. (O livro está à venda na Itiban Comic Shop e pode ser comprado também direto com Caruso, no Instagram. O disco está disponível em plataformas de streaming como o Spotify.)

“Sacro e Profano” é seu segundo disco solo, sucessor de “Pangeu”, de 2020, e é quase uma continuação do primeiro, com uma diferença crucial: o novo é mais otimista. Ou, como prefere o próprio Giovanni Caruso, o novo “é um disco positivo”. “Tu vê. Estou orgulhoso disso, não tem violência na obra, e isso foi uma conquista para mim como artista e como ser humano”.

“Sacro e Profano”

A verdade é que é difícil dissociar “Sacro e Profano” de “Bob Dylan Contém Multidões”, assim como é difícil dissociar Giovanni de Faichecleres, sua primeira banda, formada em princípios do século. Mas aqueles loucos anos da primeira década estão tão distantes quanto “Aninha Sem Tesão”, o maior hit dos Feichecleres, está de “Purahei Porã Pueblito (Te Quiero San Bernardino)”, música cantada em espanhol com sua esposa, Maria Paraguaya. Guarânia inimaginável para alguém que nunca se dissociou totalmente do rock psicodélico dos anos 60. Mas uma aproximação perfeitamente compreensível para quem abraçou o Chaco como sua segunda casa.

Faichecleres

Com algum saudosismo e uma ponta de arrependimento, Giovanni Caruso lembra os tempos dos Faichecleres, quando a banda virou uma espécie de aposta da MTV, participando de vários programas e tendo seu clipe exibido pela emissora várias vezes ao dia.

Desde as festas intermináveis até as turnês insanas onde rolava toda variante do clichê sexo, drogas e rock and roll, o que, ao que parece, foi o que fez a banda perder o rumo. “Talvez você me conheça dos Faichecleres”, diz Giovanni, ressuscitando a conversa com o curioso rapaz ao nosso lado. “Ah, tocava no Empório, né? Fechei várias vezes aquele lugar”, disse antes de ir ao banheiro e voltar vários minutos depois.

Aquele não parecia ser o típico fã dos Faichecleres. Parecia mais fã dos banheiros do Empório. A verdade é que qualquer noite que você sair em Curitiba, você pode encontrar Giovanni tocando em algum bar. Desde o Bowie no Alto da XV até o famoso Mafalda, no centro da cidade, passando pelo O Pinhão, perto da praça do gaúcho.

Solo ou ao lado da esposa, Maria Paraguaya, também vocalista do Escambau e das bandas Cigarras e Cavernoso Viñon – ou ainda dos também históricos roqueiros da cidade, Fábio Elias (Relespública) ou Oneide Diedrich (Pelebrói Não Sei). Giovanni Caruso está presente nas penumbras da boemia da cidade, com alívio e ainda um certo temor.

Erasmo Carlos

“A pandemia foi uma desgraça, quase fiquei louco. Não tinha onde tocar, perdemos nossa fonte de renda, peguei covid e passei mal”. A dupla tentou sobreviver fazendo serestas e lives, recebendo doação via Pix. Numa dessas lives, tentando garantir o café da manhã do dia seguinte, tocaram Erasmo Carlos, com participação especial do próprio astro nos comentários, elogiando e divulgando a live, com um setlist inteiro de canções do “tremendão”.

A pandemia levou os Carusos a buscar refúgio no Paraguai, terra de natal de sua esposa. A temporada no país vizinho durou de outubro de 2021 até fevereiro de 2022, onde fundaram a banda Mokete e conseguiram o que mais precisavam, além de uma nova fonte de renda: um novo público.

Capa do livro de contos “Bob Dylan Contém Multidões”, de Giovanni Caruso. (Foto: Divulgação)

Assunção, Paraguai

Cantando em espanhol, lotaram alguns dos principais bares de Assunção, reergueram a autoestima e a saúde mental. Cogitaram se mudar em definitivo para lá, mas “as meninas têm a vida delas aqui. Mas é uma possibilidade. Inclusive começar a cantar em espanhol”, diz Giovanni Caruso.

As meninas, no caso, são Carmela e Eva, as duas filhas do casal, de 15 e 5 anos. As duas cantam com o pai na primeira música de “Sacro e Profano”, naquela que talvez seja a música mais positiva – e eu diria otimista – do autor. Ao menos até o próximo disco do Escambau, com lançamento previsto para fevereiro de 2023.

Como a vida é uma confluência de coincidências, sejam felizes ou não, escrevo este texto no dia 22 e novembro, quando Erasmo Carlos, o que se encantou com a voz de Carmela em uma das lives da pandemia, morreu de “síndrome edemigênica”. E amanhã (23), Giovanni, Maria, Carmela e Eva voltam ao Paraguai. Mas sem tristeza, afinal, “a vida é uma montanha-russa, e as coisas simples podem nos salvar”.

Faixa a faixa

A seguir, algumas curiosidades sobre cinco das nove faixas do disco “Sacro e Profano”, nas palavras do próprio Giovanni Caruso.

1. “Sacro e Profano”: É um folk-rock que batiza a obra total e que canto com as minhas duas filhas, Carmela e Eva. Isso faz dessa canção a mais especial do disco pra mim.

2. “Makina do Tempo”: Estou sozinho fazendo uma jam session com a minha máquina de lavar e, justamente por isso, talvez seja a canção que sintetize melhor o contexto da produção desse álbum, gravado durante o lockdown, na segunda onda pandêmica de covid-19.

3. “Purahei Porã Pueblito”: O canto da linda cidadela – é uma homenagem a San Bernardino, no Paraguay. “San Ber”, como é chamada, é um retiro onde me isolo há muito anos para compor minhas obras. A gravação foi feita no Babbo estúdio no próprio Paraguay pelo produtor Afi Ferreiro (Banda Paiko) que ainda gravou o solo de violão. O vocal divido com minha musa Maria Paraguaya e Seba Gulino, também da banda Paiko, fica a cargo das percussões. É o grupo “Mokete” em ação!

4. “Surfista Paraguayo”: A melhor letra dessa obra sem a menor sombra de dúvida. Compus quando me agarrou a covid e tive que ficar isolado em um quarto durante dez dias. Desse isolamento saíram também outras duas composições que fazem parte dessa obra, “Teatro dos meus dias” e “Cosmos Pessoal”.

5. “Cosmos Pessoal”: Era pra ser uma guarânia tradicional, mas ganhou psicodelia natural e acabou virando algo meio Raul Seixas, eu acho. Compus essa canção queimando de febre, delirando sozinho, deitado num sofá, na casa do meu sogro, no Paraguai.

Livro

“Bob Dylan Contém Multidões”, de Giovanni Caruso. Edição do autor, R$ 40. O livro de contos está à venda na Itiban Comic Shop e pode ser comprado também direto com o autor, via Instagram.

Disco

Ouça no YouTube a música “Sacro e Profano”, que dá o nome do segundo disco solo de Giovanni Caruso:

Sobre o/a autor/a

1 comentário em “Giovanni Caruso contém multidões”

  1. Obrigado Benett e toda turma do Plural (melhor jornal da capital!) pela parceria. Pra mim é uma honra enorme compartilhar isso tudo com vcs nas plataformas Plurais.

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