Filme “Coração de Neon” mostra mais do que o sotaque dos ‘piás’

O longa-metragem de ação conquista o público comercial com sangue no olho, enquanto leva para a tela uma Curitiba que conversa com o mundo

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“Coração de Neon” tem uma história bem sacada com a verve curitibana. O filme mostra bem mais do que apenas o sotaque dos “piás lazarentos” e leva para a tela uma cidade que a gente não vê em cartões-postais, a da “perifa” de Curitiba. Tudo começa com Lau e seu filho, Fernando, trabalhando para realizar o sonho de viajar aos Estados Unidos. Eles moram e trabalham no Boqueirão, bairro onde prestam serviço de ‘telemensagens’ com um carro nada discreto – um Corcel carregado de badulaques e luzes –, apelidado de “Boquelove”. Quando conseguem o dinheiro necessário à viagem rumo a uma vida melhor, surge uma tragédia no caminho e muda tudo. Pronto, é aqui que entra o drama neste longa-metragem de ação com ‘sangue no olho’.

Vale o ingresso 

Caso você esteja pensando se deve ir assistir ou não, a resposta é vá. Quem é daqui nem tem desculpa, pois o convite é para ver um cinema feito por curitibanos, com equipe curitibana e rodado inteiramente no “Boquera”. Se isso não for motivação suficiente, vale a pena porque “Coração de Neon” é um ótimo filme nacional, tanto que já conquistou prêmios nos EUA, na Rússia e ainda no Brasil (derrubando o mito de que santo de casa não faz milagre). 

Lá fora deve ter agradado por não ter medo de ser local. Ele escancara que é de Curitiba, mesmo sabendo que muita gente não deve ter a menor ideia de que cidade é essa, e até uma capivara entrou na história. Mas, no mesmo plano, estão questões sociais que ultrapassam fronteiras: a violência contra a mulher, a falta de perspectiva, a opressão, e a violência policial. 

Certamente a qualidade técnica agradou. Prestando atenção às imagens extras, parece que foi gravado com uma câmera só, mas não se nota isso na sala de exibição. As sequências de ação prendem, ganham tensão pela trilha pulsante e ambientação sonora. Ponto para o diretor de fotografia, Eduardo Ribeiro, e para o diretor de som, Gustavo Andriewiski, que assina a trilha original com Jotta Valiente e Lucas Estevan Soares. Vários outros pontos são garantidos a Soares pela direção e roteiro do filme, por ser produtor junto com Rhaissa Gonçalves, por atuar num dos papéis principais e porque também está com a mão na massa da distribuição – o cara é realmente um one-man band (banda de um homem só).

Cinema independente e autobiográfico

Soares fala que aprendeu o que sabe fazendo cinema de guerrilha. Sobre suas referências, afirma que assiste muita coisa e de tudo um pouco. Agora, algo me diz que a mesa de sua cabeceira deve estar repleta de livros sobre a área e até de guias sobre criação de roteiro. Quem manja de audiovisual enxerga uma história bem construída no longa-metragem, meio circular, meio em espiral. Volta-se ao início mas sempre com algo a mais, o enredo evolui, trocam-se os papéis. Está lá o ponto sem volta, a vingança, os conflitos do herói, os sonhos, um ou outro clichê. (Não dá para dizer mais, ou vira spoiler). Mas a sacada é que, não sacar disso, não faz a menor falta. A criatividade faz você curtir o filme. O cineasta ainda conta por aí que a escolha fundamental para o roteiro foi o carro de telemensagens, uma coisa genuinamente brasileira. Eu discordo, o essencial é o quanto a obra é autobiográfica. (Quem deseja saber mais sobre a história de Lucas Estevan Soares pode ler aqui a entrevista do cineasta.)

O desafio de “Coração de Neon”

No final, o grande desafio que o longa deve enfrentar é ser um filme brasileiro de ação, voltado para o circuito comercial. É que muita gente ainda torce o nariz ao ouvir a palavra ‘nacional’ perto de cinema, pensam que é uma etiqueta para produção ruim. Outros gostam, mas porque encontram ali um repertório intelectualizado, para consumo dos ‘eleitos’. “Coração de Neon” está muito mais perto do cinema de “Cidade de Deus” do que de “O Som ao Redor”. E sabe do que mais? Não há qualquer problema nisso. 

“Coração de Neon” 

Elenco principal: Lucas Estevan Soares (Fernando), Wawa Black (Dinho), Ana de Ferro (Andressa), Paulo Matos (Lau), Wagner Jovanaci (Gomes) e Wenry Bueno (Segurança). Produção e distribuição: International House of Cinema (IHC).

Em Curitiba, o filme está em cartaz em oito cinemas diferentes. Os horários e ingressos podem ser consultados nos sites Cine Plus e no Ingresso.com.

Duração: 100 minutos. Não é indicado para menores de 16 anos. Para assistir ao trailer do filme, clique aqui.

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2 comentários em “Filme “Coração de Neon” mostra mais do que o sotaque dos ‘piás’”

  1. Valter Abelardino

    Um filme curitibano , nada cutitiboca!
    Um filme curitibano , mas não curitibano da gema…um filme curitibano da clara, considerando se a cidade um ovo estalado onde os bairros mais centrais ocupam a gema e os bairros mais periféricos a clara ! E isso não poderia ser melhor representado do que pelo bairro do Boqueirão, o boqueara!
    Tudo acontece por ali, pelas ruas do bairro com suas casas de madeira ou mistas em madeira e alvenaria em espaços ainda salpicados por araucárias isoladas ou em pequenos grupos; paisagem genuinamente curitibana , mas não da Curitiba de Jaime Lerner mas a Curitiba de Requião ou melhor ainda a Curitiba de Vanhoni! Pode se dizer que é um filme “bairrista” que não esconde o nosso sotaque , ao contrário, acentua as falas repletas de piás, mas não piás de prédio, piás de rua e das quebradas . Um filme sobre nossas realidades nuas e cruas desveladas pelas imagens daquele bairro poetizado por luzes multicoloridas e dramatizado por pulsantes trilhas sonoras .

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