Escavações corpóreas no trabalho de Vitória Gabarda

Depois do solo "Picareta" na Casa Hoffmann, artista performática está em cartaz no miniauditório do Teatro Guaíra com a peça "Arapuca"

Há uma coisa que nos emburaca todos os dias. Ao acordar ou dormir, no banho ou no trabalho, abrindo a geladeira ou batendo um prato de comida, existe uma interrogação ou reticências que nos cavam constantemente. Alguns chamam de angústia, outros de paixão, mas existe algo em comum na presença de ser que nos faz buscar coisas. É na caça dessas fissuras da vida que a poética performática de Vitória se desenvolve.

Vitória Gabarda (1993), nascida em Curitiba, é artista da escrita e do corpo e opera nas encruzilhadas das linguagens visuais. Formada em Jornalismo pela PUCPR, graduanda em Artes Cênicas pela Universidade Estadual do Paraná/FAP, aborda debates relacionados a gênero e racialidade em proposições anticoloniais. Já apresentou seu trabalho em espaços como o Museu Paranaense, Casa Quatro Ventos e Sesc SP.

Vitória Gabarda

No solo “Picareta”, que tive a oportunidade de assistir em outubro de 2022 na Casa Hoffmann, a artista extrai um percurso do recolhimento ao extravaso. Inicia no relato em voz off, e desloca-se, trecho por trecho, para outros estados performáticos. A partir de então todo o som da cena é produzido pela ação do corpo no espaço.

Em certa passagem, fortes inspirações e expirações tomam o recinto, no exercício contínuo do respiro. Em outra, caminha em círculos com sua bota de salto vermelha, estralando “tac-tacs” de seus passos firmes pela sala, desfilando e destilando presença, no olhar fixo da severa procura. Para ao final, em completo blackout, se transformarem em “trá-trás” rasgantes do breu, provenientes de uma lanterna/taser, único ponto de iluminação do espaço, que gira e se enverga na mão da performer frente ao público.

Performance

Através deste espetáculo, Vitória propõe as agruras de um corpo, que não desvia de seu principal intento, fura o ar com o cabelo ou eletrocutor, ecoa respiros no ambiente, firma seu pisar pelo chão. Na repetição laboratorial há uma circularidade, um permanente movimento que caracteriza-se enquanto estudo, processo, mas que também se acorda na própria finalidade, a da busca. Usando o corpo como suporte, perfura fundos, abre tocas, cavuca esconderijos ou mina armadilhas, expandindo vãos dentro do solo. Nessas aberturas de vácuos e cavos que se afundam e preenchem, aspiram-se atos vitais, tais como, nas palavras da artista, “ (…) a respiração como primeiro e último movimento que fazemos na vida”. Os surgimentos desses buracos evidencia o permanente estado de obras, da experiência revirada, mas além disso nos convida, em ato e investigação, a abrir os próprios rombos.

Agora, a performer integra o elenco da peça teatral “Arapuca”, que está em cartaz no miniauditório do Teatro Guaíra até o dia 4 de junho. No espetáculo, ela interpreta uma das Evas que habita um mundo que acabou. A direção é de Brenda Sodré, dramaturgia de Janaína Fukuxima e figurino de Ayala Prazeres.

Serviço

“Arapuca”. Em cartaz de quarta a domingo, até o dia 4 de junho. De quarta a sexta-feira, às 20h; sábados e domingos, às 18h e 20h. Auditório Glauco Flores de Sá Brito – Miniauditório do Teatro Guaíra (Rua XV de Novembro, 971 – Centro). Classificação indicativa: 18 anos. A entrada é gratuita. De acordo com o teatro, não será necessária a emissão de ingressos.

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