Davi Kopenawa e Bruce Albert evocam as múltiplas vozes da floresta em livro

Com "O espírito da floresta", Kopenawa e Albert ensinam sobre a entidade viva e repleta de imagens, sons e essência que é a floresta

Não é nenhum exagero dizer que o livro “O espírito da floresta”, lançado no Brasil em 2023 pela Companhia das Letras, já é uma das obras mais importantes da contemporaneidade. Escrito pelo antropólogo francês Bruce Albert junto do xamã e líder indígena Yanomami Davi Kopenawa, o livro reflete sobre o conhecimento xamânico do povo que ocupa a maior Terra Indígena do Brasil.

Com uma linguagem acessível e didática, a nova parceria dos autores de “A queda do céu: palavras de um xamã Yanomami” (2015) é uma excelente escolha para aqueles que desejam começar a conhecer, ou se aprofundar, na história e no conhecimento Yanomami.

O espírito da floresta

“O espírito da floresta” é uma coletânea de reflexões e diálogos que se deram entre os autores desde os anos 2000 sobre a complexidade das imagens, dos sons e dos espíritos que povoam a terra-floresta.

As vozes de Kopenawa e Albert se intercalam em 16 capítulos e três anexos. Enquanto o xamã indígena detalha a cosmogonia Yanomami, as particularidades da dinâmica e a essência da terra-floresta, conversando muitas vezes diretamente com quem ele chama de “povo da mercadoria” (os não indígenas), o antropólogo fala sobre seu encontro com Claudia Andujar (cujas fotografias ilustram o livro), sua primeira incursão a Roraima, em 1975, e a vida de dois artistas yanomamis. 

De forma brilhante, os autores aproximam o conhecimento xamânico Yanomami do universo não indígena. Em um dos textos, um matemático, um astrofísico e um líder indígena dialogam sobre sonhos e imagens, mostrando uma convergência inesperada entre o fazer e pensar dos xamãs e dos cientistas.  

Já nos capítulos finais, Kopenawa e Albert detalham o avanço dos não indígenas sobre a floresta, as epidemias, a violência e a destruição do território Yanomami.

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Em um dos últimos artigos, Kopenawa fala sobre as origens do coronavírus para os yanomamis, que o chamam de “o despojo de Krukuri a” (Krukuri siki). O xamã conta que Krukuri a, no primeiro tempo, era um caçador faminto de carne humana que devorou um jovem yanomami. Os antepassados do povo indígena conseguiram matar Krukuri a, mas seu cadáver tornou-se maléfico, impregnado de uma epidemia canibal. 

Os antigos então enterraram o cadáver, mas os não indígenas, centenas de anos depois, cavaram fundos buracos no chão à procura de minérios e trouxeram de volta o despojo de Krukuri a. “É uma coisa maléfica e muito perigosa, o tempo todo faminto de carne humana […]. É por isso que os brancos não param de morrer dessa epidemia”, escreve Kopenawa.

As vozes e imagens da floresta 

Para os Yanomami, a terra-floresta não é um espaço exterior à sociedade ou um simples campo de recursos que os humanos poderiam controlar. É, ao contrário, uma entidade viva, animada, que sofre e sente. Assim, o ver e escutar a floresta é intrínseco ao modo de vida dos yanomamis, “que mantêm um diálogo constante com a multiplicidade de vozes” da floresta, sejam elas vindas de pessoas humanas, animais ou das próprias árvores. 

De maneira primorosa, os autores conseguem traduzir aos leitores o que pode ser considerada a mensagem central da obra: a diferença entre a visão utilitarista e predadora dos brancos e a dos Yanomami, que entendem a floresta como uma vasta entidade viva, dotada de um sopro vital e de uma imagem-essência, com a qual os xamãs se comunicam.

É por isso que Kopenawa estimula os não-indígenas a “endireitar o pensamento” em relação a essa entidade: “Acho que vocês deveriam sonhar a terra, pois ela tem coração e respira”.

Livro

O espírito da floresta“, de Bruce Albert e Davi Kopenawa (2023). Companhia das Letras, 232 páginas, R$ 59,90 ou R$ 29,90 (e-book). Tradução de Rosa Freire d’Aguiar.

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