Dificilmente algum país europeu terá enfrentado um século 20 tão turbulento quanto a Alemanha. O país foi o epicentro das duas maiores guerras que a humanidade já conheceu, foi dominado por um governo autoritário e genocida durante os anos 30 e 40 e depois disso acabou dividido em dois. A porção oriental ainda teve de lidar com mais uma ditadura, dessa vez imposta pela Rússia.
O cinema tem sido uma ferramenta poderosa para que os alemães debatam seu passado e superem os momentos difíceis vividos ao longo de todos esses traumas. Não à toa, vários dos melhores filmes alemães desde o pós-guerra têm a política e suas consequências como tema. Quando não está no centro do palco, a vida política serve de pano de fundo para metáforas elaboradas e inteligentes que tratam de questões como a ascensão do nazismo e da necessidade de o Humanismo estar acima das ideologias.
Veja alguns exemplos de como isso vem sendo feito pelos cineastas alemães ao longo do tempo.
O Tambor
Baseado no romance homônimo do escritor Günter Grass, vencedor do Nobel de Literatura, o filme acompanha o menino Oscar na cidade de Danzig desde o seu nascimento, nos anos 1920. O tambor do título é um brinquedo que o garoto ganha aos três anos e que sempre o acompanha: ele toca sempre que está nervoso ou irritado, e em certo momento sua música faz os nazistas marcharem. Além da história pessoal de Oskar, o filme segue a marcha dos acontecimentos na Alemanha no momento em que o nazismo está em ascensão. O filme ganhou a Palma de Ouro em Cannes e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
Disponível no Looke.
A Fita Branca
Segundo o próprio realizador do filme, Michael Haneke, a história narrada aqui é uma espécie de prelúdio para a ascensão do nazismo na Alemanha. Nos anos 1910, em uma cidadezinha ficcional no norte da Alemanha, começam a acontecer fatos estranhos, que são investigados por um professor. A vila é dominada por um médico, um pastor e pelo barão que é dono das terra. A trama envolve discussões sobre “pureza” (as crianças são obrigadas a usar uma fita branca para simbolizar a inocência perdida), autoridade, hipocrisia e muito mais. O filme venceu a Palma de Ouro e o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro.
Disponível na Apple TV.
A Queda
O filme retrata as horas finais de Hitler e do governo nazista na Alemanha. Derrotado em todas as frentes, o ditador se vê isolado em seu bunker e tem de tomar as decisões finais de seu Reich. A história acompanha o desespero dos homens e mulheres obrigados a conviver com Hitler naqueles momentos finais e o suicídio de vários membros do alto escalão do governo nazista.
Meu Führer
Outro caminho para abordar o passado, principalmente para tratar de assuntos dolorosos, pode ser a comédia. Essa pequena obra-prima faz isso de maneira inteligente ao mostrar Hitler, já no final da guerra, tendo de admitir que vai precisar de um novo caminho. Depois de várias derrotas, Goebbels convence o ditador a fazer um discurso para incendiar novamente sua militância.
A Onda
Uma metáfora forte sobre o poder da autoridade na política. Um professor tenta mostrar a seus alunos adolescentes a sedução que o domínio sobre os outros pode ter sobre qualquer um. Ao dividir a sala e criar um movimento intitulado “A Onda”, ele dá as condições para que todos percebam onde esse tipo de situação, ainda que controlada e supostamente para fins educacionais, pode levar. O fim trágico da história é chocante e um alerta para todos nós.
A Vida dos Outros
A história de dois homens em posições opostas na Alemanha Oriental. No ápice da Stasi, a polícia secreta do regime socialista, um escritor libertário e sua namorada são vigiados dia e noite pelo aparelho estatal. Além de ser considerado “subversivo”, o escritor é alvo de um dirigente partidário que quer roubar sua mulher. O filme dá uma guinada quando o espião colocado para vigiar os movimentos dentro do apartamento decide que precisa ocultar a verdade para proteger o casal.
Disponível na Amazon Prime Vídeo.
O Grupo Baader-Meinhoff
Mais um filme que aborda a história real alemã no século 20. O grupo terrorista Baader-Meinhoff, de extrema esquerda,se tornou um pesadelo para os alemães nos anos 1970, com ataque que visavam denunciar o governo e preparar o caminho para mudanças políticas radicais. O filme foi elogiadíssimo pela reconstrução histórica e pela discussão que faz sobre o assunto.
Adeus, Lênin
Outra comédia inteligente sobre a história alemã. Dessa vez, para falar do fim da Alemanha Oriental na virada dos anos 1990. A história fala de uma militante socialista que acorda de um coma e não sabe que sua amada Alemanha Oriental deixou de existir. O filho dela, preocupado com a saúde da mãe, imaginando que ela possa sofrer um colapso ao saber que o socialismo foi derrotado e que a Guerra Fria acabou com a vitória do capitalismo, faz de tudo para iludir a mãe e mantê-la na crença de que tudo continua como antes.
Disponível no HBO Max.
Esse texto é parte das comemorações dos cinquenta anos do Goethe-Institut em Curitiba.