O colapso climático chegou, e Curitiba talvez não esteja tão preparada

Alagamentos em grandes cidades vêm causando dúvidas sobre o preparo das metrópoles para os desafios que o clima vai impor

O acirramento dos efeitos das mudanças na dinâmica climática, em particular os efeitos na temperatura e na precipitação, tem colocado enormes desafios para a gestão urbana, especialmente em áreas densamente ocupadas, além de impor custos sociais e econômicos à população. Como disse o diretor das Nações Unidas, passamos do contexto de mudanças climáticas para a realidade do colapso climático.

Nesse contexto, os recentes eventos climáticos, de temperatura (ondas de calor) e de precipitação, ocorridos no Brasil, estão revelando que cidades consideradas preparadas não estão imunes ou não estão tão preparadas. Esse é o caso de Curitiba e de sua região metropolitana, considerada a capital ecológica, em que os eventos de precipitação têm proporcionado situações inusitadas, como áreas centrais ficando debaixo d’água.

Na tentativa de avaliar a capacidade institucional dos municípios brasileiros para fazer frente aos desafios postos pelas mudanças climáticas, o Projeto CiAdapta2, coordenado pela Professora Gabriela Di Giulio, da Universidade de São Paulo (USP), com financiamento do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), desenvolveu o Índice de Adaptação Urbana. Esse índice incorpora informações sobre a existência ou não de instrumentos institucionais (leis, normas, políticas públicas etc.) associados às ações de adaptação às mudanças climáticas pelos municípios brasileiros, particularmente para aqueles mais urbanizados.

O índice contempla cinco dimensões: habitação, mobilidade, produção de alimentos, gestão ambiental e respostas aos impactos climáticos. O índice varia de 0 a 1, quanto mais próximo de 1, mais preparado em termos institucionais estaria o município. As informações utilizadas no cálculo do índice foram coletadas na Pesquisa de Informações Básicas Municipais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), referente ao ano de 2020. Em outras palavras, as informações obtidas a partir da publicação do IBGE possibilitam uma mensuração das capacidades dos municípios em gestão de políticas públicas nas cinco áreas que compõem o índice.

Os resultados da aplicação do Índice de Adaptação Urbana, para Curitiba e região metropolitana, revelaram um cenário desafiador, porque indicam que os municípios não estariam preparados em termos institucionais para promover ações de adaptação às mudanças climáticas, além da heterogeneidade ou desigualdade em capacidade institucional. A média do índice de Curitiba e região metropolitana foi de 0,58 – qualificado como intermediário. Enquanto Curitiba e São José dos Pinhais registram os maiores índices, 0,98 e 0,85 respectivamente, os municípios de Quitandinha (0,25) e Bocaiuva do Sul (0,31) os menores.

O aspecto interessante é que apesar de Curitiba registrar que está preparada em termos de capacidade de gestão de políticas públicas para fazer frente às mudanças climáticas, os eventos recentes colocaram essa situação em dúvida. As precipitações resultaram em várias ocorrências em Curitiba, como inundações em áreas centrais e de ocupação regular, problemas com fornecimento de serviços públicos, entre outros. O índice próximo a 1, em Curitiba, indica uma condição necessária, um ponto de partida ao enfrentamento dos problemas atuais, mas certamente não é uma condição suficiente. Isso porque a capacidade de gestão de políticas públicas deve ser pensada para além da existência dos instrumentos de intervenção relativos às áreas que compõem o índice. Para os municípios com menores índices, a situação é ainda mais preocupante.

O desafio atual requer o reconhecimento de que ainda há muito a ser feito. Por exemplo: ações coordenadas entre a capital e os municípios de seu entorno são necessárias, considerando-se que os efeitos das mudanças climáticas não reconhecem fronteiras geográficas. Mesmo se a análise for restrita a cada município, a dinâmica de ocupação rural e urbana deve pautar-se no novo contexto de colapso climático, agravado pela persistência de velhos problemas, como a insegurança alimentar e o acesso limitado a serviços públicos essenciais.

O ano de 2023 se encerra com a sensação de que os problemas do futuro climáticos já fazem parte do presente e que os velhos dilemas do passado continuam presentes. Para 2024, ano em que as políticas municipais devem estar no centro do debate público, espera-se que as propostas avancem rumo à construção de políticas públicas à altura dos desafios atuais. Nesse contexto, as pesquisas do projeto CiAdapta2 podem aportar importantes contribuições. Se isso não ocorrer, continuaremos com a sensação de que nada pode ser feito e que continuaremos debaixo d’água.

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