A elite no poder – a primeira eleição no Paraná

Em 1854, a região era considerada uma província de pequena projeção econômica e política no Império, possuindo um pouco mais de 62 mil habitantes

O ano de 2022 começa com a certeza de que em outubro a população brasileira irá às urnas para escolher um novo presidente da República, governadores, senadores e deputados estadual e federal. É a festa da democracia.

A primeira eleição de porte semelhante no Paraná emancipado politicamente aconteceu em 1854 – há, portanto, 168 anos. No ano anterior, a então 5.ª Comarca conseguiu a sua emancipação da Província de São Paulo, o que fez com que o Paraná passasse, de fato, a existir politicamente. Coube ao baiano Zacarias de Góes e Vasconcelos tornar-se o primeiro presidente do Paraná e instalar a Província em 19 de dezembro daquele ano. Estima-se que em 1853, Curitiba possuía 308 casas e outras 50 em construção.

Em julho de 1854, aconteceu a instalação da primeira Assembleia Legislativa do Paraná, chamada de Assembleia Provincial. O Paraná, na época, era considerado uma província de pequena projeção econômica e política no Império, possuindo um pouco mais de 62 mil habitantes.

A Lei imperial n.º 704, sancionada pelo imperador Dom Pedro II, em 29 de agosto de 1953, criando a Província do Paraná, também determinou que seria constituída a Assembleia Provincial. O artigo 3º estabeleceu que: “A província do Paraná dará um senador e um deputado à Assembleia-Geral; sua assembleia provincial constará de 20 membros”.

As eleições foram marcadas por Zacarias para o dia 28 de março de 1854. Nessa época, a província do Paraná contava com cinco colégios eleitorais: Curitiba, abrangendo São José dos Pinhais, Campo Largo e Palmeira, com 54 eleitores; Paranaguá, com Antonina, Morretes e Guaratuba, que registrava 46 eleitores; Castro, com Ponta Grossa, Jaguariaíva e Tibagi, 17 eleitores; Lapa, incluindo Rio Negro, 11 eleitores; e Guarapuava e Palmas, com 7 eleitores.

No total, 135 paranaenses votaram naquele ano e elegeram os primeiros 20 deputados da Assembleia Provincial, o primeiro senador e o primeiro deputado para a Assembleia Geral (que equivaleria ao atual cargo de deputado federal). “Os eleitores “eram os notáveis, os ‘homens bons’, uma elite minoritária que formavam uma classe política”, escreve o sociólogo Alessandro Cavassin Alves. Segundo ele, o principal requisito para ser votante e eleitor era possuir “bens”, e não se excluía os analfabetos.

“Dividindo arbitrariamente estes deputados entre as duas grandes fontes de renda da província do Paraná, erva-mate e tropeirismo, pode-se dizer que havia um equilíbrio entre eles de 10 deputados para cada segmento econômico.”

Alessandro Cavassin Alves, sociólogo.

E os resultados?

O primeiro pleito do Paraná emancipado mostrou algo que historicamente se tornou corriqueiro em todo o Brasil: a preponderância da classe econômica dominante no meio político. “De maneira geral, os políticos paranaenses do período imperial terão uma origem bastante semelhante […]: “pais desbravadores”, com riqueza adquirida ao longo dos anos, com muitos escravos, ocupando os cargos públicos de governo em suas localidades, e posteriormente, através das redes de parentelas, geralmente com filhos ou genros “doutores”, irão consolidando sua condição de classe senhorial”, ressalta o sociólogo em sua tese de doutorado.

Para o cargo de senador, os 135 eleitores do Paraná deveriam escolher três nomes, sendo que os três mais votados iriam para uma lista tríplice para a escolha do imperador. Eram oitos os candidatos e o vitorioso foi o barão de Antonina, João da Silva Machado, que também foi o escolhido pelo imperador D. Pedro II.

Sua profissão como tropeiro lhe possibilitou acumular riquezas e seu casamento com Ana Ubaldino do Paraíso Guimarães, filha de Manoel Gonçalves Guimarães, grande chefe político de Castro e também tropeiro e com muitas posses, proporcionou ao barão de Antonina ampliar ainda mais suas atividades por toda a região dos Campos Gerais. Antes de ser eleito senador, ele já tinha sido deputado provincial por São Paulo e vice-presidente daquela província.

Para o cargo de deputado da Assembleia Geral, o vitorioso foi Antonio Candido Ferreira de Abreu. Jovem advogado, de 31 anos, tinha sido nomeado juiz municipal em Curitiba. Era genro de Manoel Antonio Guimarães, grande proprietário, comerciante e industrial do litoral paranaense, do partido conservador. O se sogro já era um político experiente, sendo deputado por São Paulo, representando a região de Paranaguá. Posteriormente, ele mudou-se para o Rio Grande do Sul, onde desempenhou o cargo de juiz de Direito de São Leopoldo. Exerceu ainda os cargos de juiz municipal e procurador geral da Fazenda do Rio Grande do Sul.

Curitiba retrata pelo pintor francês Jean Baptiste Debret.

Nas eleições para deputado provincial de 1854, os eleitores paranaenses poderiam votar, de acordo com as regras eleitorais daquele ano, em 20 indivíduos. Isto proporcionou que membros de uma mesma família fossem eleitos.

“O deputado mais votado será o jovem bacharel, conservador, Dr. José Mathias Gonçalves Guimarães, com 112 votos, residente em Curitiba, obtendo votos em todos os colégios eleitorais do Paraná devido a sua ampla família Guimarães. Ele é sobrinho e futuro genro do vice-presidente eleito da assembleia legislativa, Manoel Antonio Guimarães, e neto de Manoel Gonçalves Guimarães, sogro do barão de Antonina”, resume Alves.

Manoel Ignácio do Canto e Silva também figurou entre os eleitos à primeira assembleia legislativa provincial. Sua vitória foi obtida, provavelmente, pela imensa riqueza material, experiência em cargos públicos como o de vereador e da guarda nacional, e a proximidade que sua família tinha com tradicionais famílias de Curitiba e região.

“Dividindo arbitrariamente estes deputados entre as duas grandes fontes de renda da província do Paraná, erva-mate e tropeirismo, pode-se dizer que havia um equilíbrio entre eles de 10 deputados para cada segmento econômico”, revela o sociólogo.

Mais de um século e meio depois, a população paranaense tera – novamente – a chance de escolher políticos, de fato, comprometidos com as demandas sociais e econômicas que afligem a população e que respeitem os ritos democráticos em vigor no país. Caso contrário, continuaremos com um cenário político que se perpetua desde meados do século 19.

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