Chegar, ocupar e permanecer: a luta diária de ser uma mulher trans

Doutora em Educação e professora da UFPR, Megg Rayara fala dos desafios para ocupar espaços

Segundo o dicionário, a palavra “mulher” significa “pessoa do sexo feminino ou do gênero feminino”. Mas essa não é a única maneira de nos descrever, somos plurais, somos diferentes. Exemplo disso é a pesquisadora Megg Rayara, primeira travesti negra do Brasil a ter o título de doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Megg atua como pesquisadora e professora da graduação e pós-graduação da instituição e é coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB). A ativista luta pelo combate ao preconceito da comunidade LGBTQIA+, sobretudo no ambiente acadêmico.

A partir da sua vivência, ela levanta a reflexão sobre como as normas de gênero da sociedade já são predefinidas e nem sempre se tem consciência disso. Para Megg, enquanto criança, eram os marcadores externos, como roupa e cabelo, que determinavam as diferenças entre meninas e meninos, com dificuldade em expressar o gênero que lhe fora atribuído. “Desde muito pequena eu sabia que não era um menino. Eu sabia que aquela heteroclassificação que foi atribuída a mim era um erro, um engano”, diz.

A escola foi um dos lugares mais difíceis para que Megg conseguisse ser ela mesma, já que esse é um dos ambientes com mais divisões de gênero, como por exemplo banheiro feminino e masculino. “Não havia uma intervenção por parte dos professores e das professoras num sentido de dizer que é possível existir de forma plural”, relembra. Assim, mesmo tão nova, ela já encarava os desafios de sobreviver em um lugar hostil. Embora a escola não a quisesse, ela entendeu que a educação é fundamental e por isso não desistiu.

E não foi só na escola que Megg, assim como outras tantas mulheres trans, precisou lutar para simplesmente existir. A grande dificuldade em ser uma pessoa trans no Brasil é a luta pela sobrevivência. Todos os anos a Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (ANTRA) faz um levantamento das mortes de pessoas trans, e pelo 14º ano consecutivo o Brasil é o país que mais assassina mulheres travestis e transgêneros. Para se ter uma ideia, a expectativa de vida de uma mulher trans branca é de 35 anos, já das negras é de 28. “Apesar das violências que a gente sofre, a gente não declina desse desejo de ter o direito de existir”, reforça. Ser uma mulher trans, acima de tudo, é um ato político.

A luta em diversas frentes se faz necessária, para ocupar os espaços é preciso exigir políticas não apenas de inserção, mas também de permanência. É importante que pessoas trans cheguem em uma universidade e tenham contato com uma base teórica feita pela sua própria comunidade. “São pouquíssimas representações de pesquisadores, de pessoas que não são lidas e tratadas como intelectuais. A gente precisa desses espelhos, dessas representações”, ressalta. É mais do que necessário oferecer outras possibilidades de escolha no mercado de trabalho, já que a prostituição na maioria das vezes é o único meio de conseguir dinheiro para viver.

Com persistência, Megg conquistou seu espaço como professora universitária. Mas, infelizmente, a área acadêmica também não é 100% acolhedora. Algumas questões deixam a desejar, como por exemplo a falta de representatividade bibliográfica, a dificuldade com os banheiros e até mesmo os empecilhos na documentação. Essa questão da substituição do nome morto para o nome social se torna algo difícil, pois o custo para a troca de documentos ainda é elevado, precisando contar com o bom senso de professores e colegas para que a pessoa se sinta respeitada. Para a doutora, as ações pouco inclusivas contrastam com o conceito de universidade pública, que só pode ser operado a partir do momento em que todo mundo esteja sendo respeitado dentro desse espaço, valorizando a diversidade de existências.

Com tudo isso, ao mesmo tempo em que Megg se sente feliz por ter conquistado seus diplomas, também fica triste pelas outras mulheres trans que não conseguem ocupar esse espaço. Portanto, o título de primeira travesti negra doutora em Educação é ao mesmo tempo sinônimo de alegria e tristeza. Ela deseja que a trajetória das meninas que estão por vir não sejam tão difíceis quanto a dela, e que a celebração pela vida seja uma prioridade para a comunidade trans em vez da contabilização dos corpos estendidos. “Que a gente seja e que a gente tenha autonomia sobre os nossos corpos. De usar as roupas que a gente quiser, de falar o que a gente quiser, de pesquisar o que a gente quiser”, finaliza.

Lutar para que a educação seja um espaço de acolhimento é o primeiro passo para construir um mundo melhor, mais plural e pautado no respeito. Pessoas que sejam consideradas hegemônicas devem refletir em como elas podem ser parceiras nas lutas das minorias. Muito além de flores e chocolates, o presente mais almejado no Dia Internacional da Mulher é o respeito

Orientadora: Larissa Drabeski

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