Centenário e de olho no futuro

Com olhar no horizonte, “O Semeador” representa a necessidade de plantar um novo futuro

Um dos mais movimentados locais de Curitiba, a Praça Eufrásio Correia marcava, no final do século XIX e início do XX, a chegada dos viajantes à estação rodoviária da capital. De um lado, a antiga sede da estação ferroviária, hoje museu do Shopping Estação. Do outro, o Palácio Rio Branco, sede da Câmara Municipal de Curitiba.

Entre as duas construções, repousa um legado centenário. A estátua de bronze, de corpo inteiro e em tamanho natural, destaca-se entre árvores volumosas e outras peças de bronze. A representação de um colono polonês, aculturado, semeando o futuro da pátria é uma das obras mais marcantes da capital paranaense e tem papel fundamental na história da relação entre a comunidade polonesa e o Brasil.

Considerada a obra-prima do escultor Zaco Paraná, a estátua conhecida como “O Semeador” reside naquele mesmo lugar desde 1924, sendo um presente da colônia polonesa à cidade de Curitiba, por ocasião do centenário da independência do Brasil em 7 de setembro 1922, como pode ser lido na placa fixada em seu pedestal.

A obra, entregue ao município em 1922, somente foi colocada em espaço público em 1924. Com o bicentenário da independência, comemora-se o centenário da obra que é um dos símbolos da capital paranaense.

Raízes polonesas

O final do século XIX foi um período de intensa migração polonesa para o Paraná. A estimativa é que foram cerca de 41.600 imigrantes que chegaram entre os anos de 1870 e 1914, sendo o mais numeroso grupo de imigrantes no estado. Os imigrantes dedicavam-se à alfabetização de seus compatriotas e ao trabalho no cultivo das terras. Juntos, colaboraram para desenvolver a economia e a cultura do bairro.

Entre esses imigrantes estava Jan Żak (João Zaco), nascido em 3 de julho de 1884, no vilarejo de Brzezany, localizado na Silésia polonesa sob domínio austríaco. Com apenas três anos, migrou com a família para o Brasil, instalando-se em Restinga da Serra, entre as cidades de Palmeira e Ponta Grossa, no Paraná.

Desde pequeno, o seu talento para as artes se destacava em meio à família de agricultores. Documentos disponibilizados pela Fundação Cultural de Curitiba revelam a trajetória profissional de Zaco. Iniciando os estudos na Escola de Belas artes e Industriais do Paraná, passou pelo Colégio Diocesano, onde começou a assinar como João Zaco Paraná. Em estadia no Rio de janeiro, teve a oportunidade de estudar na Escola Nacional de Belas Artes da cidade e, tempos depois, na Academia Real de Belas Artes de Bruxelas, na Bélgica.

Ao retornar ao Brasil em 1922, Zaco se instalou no Rio de Janeiro novamente, onde passou a receber uma série de encomendas oficiais relacionadas ao centenário da independência do Brasil, devido ao seu prestígio no meio artístico.

Na ocasião, o escultor recebeu da colônia polonesa no Paraná a encomenda de um monumento para homenagear a data. Zaco então passou a trabalhar com extrema dificuldade em seu ateliê no Rio de janeiro na modelagem de “O Semeador”.

Uma publicação escrita pelo artista plástico Ivens Fontoura conta com o relato de Erbo Stenzel, importante escultor da época que era próximo a Zaco e acompanhou o processo de produção da obra centenária. Ele relata que Zaco recolhia água de chuva e a armazenava em latas e baldes para conseguir trabalhar. A obra foi entregue naquele mesmo ano, mas só pôde ser inaugurada em 1924.

“Trabalhando no próprio quarto na cidade do Rio de Janeiro, num pequeno espaço que não permitia sequer afastar-se a uma distância necessária para alcançar determinados pontos de vista e a visão do conjunto da obra, propiciando-lhe controlar as proporções e sua harmonia. Sem contar a falta de água, elemento imprescindível para manter o barro úmido e em condições de trabalho”, conta Erbo sobre o artista plástico.

Legado centenário

Entre as obras que se encontram expostas pela capital paranaense, estão símbolos que procuravam criar uma unidade comum do que representa – ou deveria representar – ser paranaense. São heranças do simbolismo no Paraná, a obra de Zaco estimula artistas e civis a refletir até os dias atuais.

As mãos fortes de um jovem. Punhos fechados, um braço agarrado à sacola carregada de sementes e o outro em movimento. Prestes a arremessar os grãos. Olhos fixados no horizonte. Pés descalços. As observações feitas pelo gravurista Carlos Henrique Tullio sobre a obra retratam uma realidade do final do século XIX, agora um pouco distante do nosso imaginário.

Ao observar a obra de Zaco, Carlos percebe os nós que seguram a calça, que revelam um agricultor humilde com cabelos ao vento. Grande força física, com veias saudáveis nas mãos e fortes músculos nas costas. Seu semblante angelical praticamente despe a escultura de uma visão realista e afunila-se para uma leitura mais simbólica e idealizada.

Segundo ele, a força desta obra reside na função de semear para colher no futuro. Portanto, o olhar para o horizonte do personagem transmite uma noção de tempo sempre à frente, sempre distante, e sempre caminhando para este além. A fundição em bronze é de grande perfeição sendo impossível perceber as soldas e emendas, comuns neste tipo de trabalho.

“Os significados dessas obras são de grande antiguidade, pois a agricultura nasce da necessidade de plantar as sementes. Outras interpretações também podem ser atribuídas, como: fertilidade, desenvolvimento, esperança e plantar para colher no futuro. É um gênero de composição que existe não só na escultura, mas também na pintura e em rituais de tribos muito antigas em todas as partes do mundo”, explica o artista curitibano.

Com o bicentenário da independência do Brasil, os olhos dos curitibanos também se voltaram para a obra em 2022. O legado de Zaco Paraná se mantém vivo na capital paranaense, seja em obras como o Semeador, ou no imaginário daqueles que o admiram.

“Temos a sorte e o orgulho de podermos visitar e observar esta magnífica obra do Zaco aqui na nossa cidade de Curitiba. Que nossos artistas continuem semeando as ideias e ideais para um futuro cada vez mais justo e mais próspero para todos”, ressalta Carlos.

Orientação: Larissa Drabeski (professora e jornalista)

Leonardo Tulio Rodrigues – Estudante de Jornalismo da Uninter e estagiário na Central de Notícias Uninter (CNU).

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