Modesto e com uma caixinha de fósforos na mão, Paulinho da Viola surgiu no palco do Teatro Positivo na noite de domingo (25). Bastaram o pequeno instrumento – “nem cheio, nem vazio” – e um microfone para que a plateia se encantasse com a elegância do músico já em sua primeira canção.
A recomendação da quantidade ideal de palitos de fósforo dentro de uma caixinha vem do lendário Elton Medeiros. O antigo companheiro de Paulinho foi o primeiro homenageado no repertório do músico durante a apresentação especial em Curitiba. A turnê pelo Brasil celebra os 80 anos de Paulinho da Viola, completados em novembro passado, mas o artista continua fazendo questão de dedicar os aplausos àqueles que o inspiraram e apoiaram durante sua afirmação como sambista.
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Falecido em 2019, Elton foi um dos nomes mais importantes da história do samba. Escreveu músicas para um sem-número de cantores, além de brilhante melodista, como descreve o próprio Paulinho. Foi no sobradinho 53 da Rua Carioca, no Rio de Janeiro, onde Paulo César Batista de Faria conheceu o amigo e levou a viola para o nome artístico.
Paulinho da Viola
Lá funcionava o Zicartola, restaurante que servia os pratos de Dona Zica e os sambas puxados pelo rei do samba Cartola. Levado pelo compositor e poeta Hermínio Bello de Carvalho, Paulinho fez do restaurante seu palco no início da carreira, ainda em 1963. Acompanhava quem estivesse cantando e passou a fazer parte do grupo que dava apoio a quem se apresentasse. Numa dessas noites em que tocava as músicas dos outros, outra lenda do samba, Zé Keti, percebeu o talento do músico e sugeriu que ele cantasse suas próprias músicas. Paulinho também não sabia que, na presença do rei, ele mesmo viraria príncipe do samba.
Todos esses foram homenageados durante sua apresentação. Guardou a caixinha de fósforos no bolso da camisa, perto do coração, e explicou por que dedica a Medeiros e Zé Keti as canções “Ele” (quase inédita e ainda não gravada) e “Samba original”. “Tenho um carinho muito grande por tudo que me apresentaram”, disse. “Quando eu comecei, me deram muita força.”
Show intimista
A explicação da homenagem a músicos e composições da velha guarda do samba não foi a única durante a noite. Várias vezes, entre uma canção e outra, Paulinho dedicava a música para alguém especial. Foi assim ainda com Clementina de Jesus, Sérgio Natureza, Lupicínio Rodrigues, José Carlos Capinam e os portelenses Monarco e Bubu.
De modo quase íntimo, Paulinho se aproximava do público com uma luz baixa e única sobre si. A voz leve e calma contava histórias sobre as composições e sobre as pessoas para quem as dedicava. Enquanto explicava como a melodia de “Sei lá, Mangueira” havia surgido da letra de Hermínio, arrancava gargalhadas do público. “Mas, Hermínio, eu sou portelense…”
Foi assim do início ao fim das 18 músicas. Alternava entre cavaquinho e violão, músicas clássicas e de delicadeza. Se ajeitava em uma banqueta ou outra. Calmo, a dedilhadas e passos lentos, precisos. Pequenos risos quando ouvia um “Eu te amo!” ou “Lindo!” vindos da plateia. Elegante como Paulinho sabe ser.
Ídolo
Sambista e professor de música, Paulo Vitor Poloni veio de Londrina para prestigiar o ídolo de perto pela primeira vez. Ele e mais duas dezenas de amigos e conhecidos londrinenses organizaram caravanas para atravessar os quase 400 quilômetros entre a cidade e o local do show.
O primeiro contato do cantor com a obra de Paulinho da Viola foi durante a adolescência, ainda que de forma indireta. Quando começou a estudar violão e canto, se interessou pela obra de Marisa Monte, que formou uma parceria de sucesso com Paulinho em gravações e apresentações durante as últimas três décadas.
Aos 17 anos, Paulo Vitor passou a trabalhar com o gênero no projeto Dia do Samba. Desde então, tornou o samba sua principal paixão musical, tendo Paulinho como uma das figuras centrais em sua formação e a quem dedicou duas apresentações especiais. A primeira, em 2019, e a última, no dia 18 deste mês, como “aquecimento” para o show principal. “O Paulinho é uma grande referência, os discos dele são uma grande referência pra gente que trabalha com música brasileira e samba do ponto de vista composicional”, afirma o músico.
Ansioso durante as semanas que antecederam o show, Paulo Vitor teve as expectativas atendidas pelo espetáculo. “Toda a instrumentação, todos os arranjos muito sofisticados e delicados também. Estar diante do Paulinho da Viola é uma coisa que mexe com o nosso emocional. Eu me emocionei em muitos momentos do show”, diz.
O sambista é um dos fundadores da escola londrinense Canto da Lira. Graduado e mestre em Música, Paulo Vitor tem hoje mais de 30 alunos. Entre os estudos, está o samba – e, claro, seu príncipe. “O Paulinho é uma grande referência. Não tem como a gente ser sambista no Brasil sem reverenciar o Paulinho da Viola”, afirma o compositor.
Cult!
O show foi organizado pela Cult! Produções e o Instituto Res Publica. A produtora tem movimentado a cena cultural curitibana desde o fim do ano passado. Desde lá, ela já trouxe nomes como Gilberto Gil, Erasmo Carlos, Fafá de Belém e Roberto Carlos.
“Quem disse que Curitiba não gosta de samba é ruim da cabeça ou doente do pé”, brinca o produtor Ramon Prestes. “Esse espetáculo sintetiza um pouco do perfil de artistas que estamos buscando trazer, valorizar aqueles que brilham há anos.”
Além da comemoração dos 80 anos de Paulinho da Viola, o show faz parte das celebrações especiais dos 330 anos da capital e 15 do Teatro Positivo. Mas não é só ano especial que reserva grandes espetáculos. “Já estamos trabalhando para receber o Paulinho novamente em 2024. Em breve teremos novidades. Nosso objetivo é produzir mais e mais shows que fiquem eternizados nos corações dos curitibanos”, antecipa.
Equipe
A banda que acompanhou Paulinho da Viola foi composta pelo filho do músico, João Baptista Rabello de Faria, e Adriano Baptista Souza, Celso José da Silva, Ricardo Luis da Costa, Mario Séve Wanderley Lopes, Horondino Reis da Silva e Marcos Alcides da Silva.
Repertório
“Ele”, “Samba original”, “Eu canto samba”, “Nas ondas da noite”, “Onde a dor não tem razão”, “Vela no breu”, “Coisas do mundo, minha nêga”, “Passado de glória”, “Esta melodia”, “Sei lá, Mangueira”, “Acontece”, “Nervos de aço”, “Sinal fechado”, “Dança da solidão”, “Coração imprudente”, “Pecado capital”, “Coração leviano” e “Argumento”.