Fafá de Belém, de Curitiba e de um só Brasil

Fafá de Belém em Curitiba. Foto: Klym_fotografia
Fafá de Belém volta depois de cinco anos em Curitiba para show histórico

Fazia calor em Curitiba na noite da última sexta-feira (17). No Teatro Positivo, 2,1 mil pessoas aguardavam pelo espetáculo que, em pouco mais de uma hora e meia, elevaria a temperatura para algo digno das terras do Pará. Era Fafá de Belém quem trazia tamanho ardor à capital mais fria do país, com grandes sucessos de uma carreira de quase meio século e com oferendas de amor incomuns ao povo curitibano.

Percorrendo o palco de ponta a ponta, a cantora alcançava o público com a potente voz, a contagiante risada e os mais diversos comentários entre uma música e outra. Bastaram poucas faixas para que a plateia sintonizasse o espírito ao da artista, e logo não havia mais silêncio no ambiente: mesmo na quietude das canções, em que a banda conduzia o som principal do palco, os gritos de “Eu te amo!”, “Maravilhosa” e tantos outros tornavam-se protagonistas do show.

Fafá havia se apresentado pela última vez na capital paranaense em 2018, antes da pandemia e da aberração política que foi o bolsonarismo nos últimos quatro anos. A última visita, no entanto, já ocorria num Brasil dividido e de conformidade com o ódio. Estava em falta na cidade uma performance da dimensão da cantora e que pregasse contra as mazelas sociais de um país que insiste na repetição do seu passado e na cisma de sua população.

Os ecos da ditadura militar retumbaram na voz da artista ao lembrar dos anos de chumbo. Os músicos e compositores da época, como ressaltou Fafá no palco, achavam caminhos em músicas de amor e solidão para falar de um Brasil “que, se Deus quiser, não volta mais”.

Foi ela também um dos grandes nomes artísticos para a reunificação e libertação do país na década de 1980. A “musa das Diretas Já” participou dos 32 comícios realizados no movimento de retomada das eleições presidenciais diretas no Brasil, interrompidas durante o regime militar.

De volta ao Brasil atual, os caminhos que a cantora encontrava no ínterim das canções clamavam pela liberdade, o respeito e a democracia – e, claro, o amor. “Não é tempo de revanche nem de ódio. Só o amor pode curar a ferida que foi feita no coração do Brasil”, declarou.

Afirmando que, assim como a música, o Brasil é um só, Fafá ainda fez referência à desvalorização da classe artística no país, ao etarismo, racismo e misoginia como preconceitos a serem superados para “reconstruir esta nação”.

Mesmo que só por uma noite, o poder de Fafá foi posto à prova na união do público com os aplausos e os coros durante as manifestações. Não havia um curitibano parado, até mesmo quieto, durante o encerramento do show com a execução de Vermelho. Tudo isso na capital mais fria do país.

Fafá de Belém

O show foi trazido a Curitiba pela Cult! Produções como parte das celebrações dos 330 anos da cidade e dos 15 anos do Teatro Positivo. O produtor cultural Ramon Prestes revela que a apresentação inicia a programação da empresa em 2023 para a comemoração da data.

“Fafá é umas das grandes divas e referências da música brasileira. Curitiba também é uma das grandes referências entre cidades do Brasil e do mundo, e ter a Fafá aqui agiganta as comemorações dos 330 anos e representa um pequeno presente da Cult! para toda a população curitibana”, afirma o responsável pela produtora que também trouxe Gilberto Gil e Erasmo Carlos a Curitiba no fim do ano passado.

Tanto os apaixonados quanto os mais acanhados tiveram a oportunidade de percorrer diferentes sentimentos pelas 17 músicas do show. Fafá ressaltou o orgulho de ser uma cantora popular e assim honrou o setlist da apresentação, trazendo letras e melodias já bastante conhecidas do povo brasileiro. Da toada ao sertanejo, sem deixar de lado a MPB e sucessos das telenovelas, tudo ganhava frescor no proscênio por meio da interpretação de total entrega da artista que iniciou a carreira em peças de teatro.

Nascida Maria de Fátima Palha de Figueiredo, Fafá chamava a atenção nas festas de família desde os nove anos com a voz afinada. O gosto eclético pela música construiu um repertório único para a artista que, aos 66 anos, até hoje passeia por diversos estilos sem perder a autenticidade. Um sintoma possível somente a quem, como a própria afirma, carrega a “memória do mundo” em seus espetáculos.

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