Robert Eggers, o diretor de “A Bruxa” e “O Farol”, deu seu passo mais arriscado com “O Homem do Norte”, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (12). Antes, os filmes de terror cult de Eggers eram conhecidos por relativamente poucos cinéfilos. Agora, ele está por trás de um blockbuster de 90 milhões de dólares. E todo mundo sabe como funciona: quanto mais dinheiro tem uma produção, menos inventivo é o filme. É a lei de Hollywood.
Por um lado, Eggers mantém seu estilo único. Por outro, padece em um enredo um tanto simplório. “O Homem do Norte” conta a lenda de Amleth, um príncipe viking que vê seu pai ser assassinado pelo próprio irmão. É nessa mesma lenda que Shakespeare se inspirou para escrever “Hamlet”, há mais de 400 anos.
Porem, a história em Amleth consegue ser mais brutal e a violência sobressai no filme. O terror, que nos trabalhos anteriores era o pano de fundo, agora ganha o primeiro plano, é o foco central.
Pancadaria sanguinária
Para o diretor, contudo, o que mais interessa é o oculto. E aí está a grande força de “O Homem do Norte”, com emulações de rituais que fazem valer as mais de duas horas de pancadaria sanguinária. É muito bonito como o cineasta consegue nos aproximar das religiões e dos cultos que pesquisa ao longo de seus projetos.
Tudo começa quando o pai de Amleth, vivido por Ethan Hawke, volta da guerra. Amleth, criança, fica encantado com a presença do pai que é rei. Os laços entre ambos se mostrarão fortes e moldados a partir de rituais de exaltação de masculinidade e ferocidade. De acordo com o culto daqueles vikings, a força que eles ostentam tem também um caráter místico, algo entre o animal e o humano. É que eles se comparam a lobos, inclusive andando, uivando e comendo como bichos em determinados trechos do filme.
Alma animalesca
Eggers parece sugerir que a alma humana, em princípio, é mais animalesca do que se vê em Shakespeare. Se, em “Hamlet”, o texto colocava em questão justamente a civilidade frente aos desejos; com Amleth, o que está em pauta é o que há de mais instintivo. Didaticamente, há um momento em que, para mostrar o quão ferozes são, pai e filho arrotam e peidam diante de uma espécie de mestre de cerimônias.
Mas logo o tio de Amleth, Fjölnir (Claes Bang), assassina o irmão para conquistar o reino, rapta a então rainha (Nicole Kidman) e manda matar o jovem herdeiro. Amleth escapa e anos depois se torna um grande guerreiro, vivido nessa fase adulta pelo ator sueco Alexander Skarsgård.
Vingança
O que fecha o enredo é o desejo de vingança do órfão Amleth, que profere um mantra como se fosse uma profecia para si mesmo: “Vou vingá-lo, meu pai; vou salvá-la, minha mãe; vou matá-lo, Fjölnir”. É sobre essa vingança, a história do filme.
Hollywood é particularmente interessada em filmes de vingança. Parece que esses enredos têm uma conexão direta com os espectadores, facilitando assim a venda de ingressos e pipocas ao redor do planeta. De “Rastros de Ódio” (1956) a “Kill Bill” (2003), muito do cinema norte-americano se apoia nesse conceito arquetípico de narrativa.
“O Homem do Norte”
Em “O Homem do Norte”, Eggers propõe uma espécie de esvaziamento de tudo o que não for a própria vingança. Confecciona um protagonista movido quase que unicamente pelo desejo de matar aquele que lhe tirou o pai e o reino. É uma estratégia narrativa interessante, porque assim faz com que muito do que estamos acostumados a ver em filmes épicos caia por terra: tramas paralelas, amores, subornos… O que sobra é o extrato da alma viking ou um bom pedaço de carne e sangue. Talvez não seja muito diferente de nós mesmos, tantos séculos depois.
Onde assistir
“O Homem do Norte” estreia nos cinemas nesta quinta-feira (12).
Sobre o/a autor/a
Aristeu Araújo
Cineasta e crítico de cinema. Dirigiu oito curtas-metragens e há vinte anos escreve sobre filmes.