Renato Feder choca professores e indústria do livro com plano para educação de SP

Governo de São Paulo abandona Plano Nacional do Livro Didático e usará apenas livros digitais

O secretário de Estado de Educação de São Paulo, Renato Feder, causou espanto e indignação não apenas entre professores com sua nova decisão. A saída do maior estado da Federação do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), um patrimônio construído pelo país ao longo de oito décadas, chocou toda a indústria editorial do país, que repudiou com veemência a medida.

Feder, um empresário sem formação em educação que foi levado para a política por Ratinho Jr. (PSD), tomou a medida apenas sete meses depois de assumir a Secretaria em São Paulo. Agora, o governo paulista vai usar apenas livros digitais (embora muitos alunos não tenham acesso à Internet em suas casas) e, se for o caso, segundo ele, os professores que imprimam.

É difícil compreender a lógica da medida, uma vez que nem economia haverá. Pelo contrário: o governo de São Paulo deixará de acessar uma verba de R$ 120 milhões (R$ 200 milhões se incluído o Ensino Médio). Ou seja: a destruição do sistema editorial brasileiro, que deixará de vender 10 milhões de livros por ano, e a precarização do ensino não têm sequer uma justificativa financeira.

Além disso, os professores passarão a usar o sistema de livro único, sem poder recorrer aos materiais selecionados pelo MEC, numa espécie de coleira que os manterá presos aos recursos pedagógicos criados pelo time de Feder. Trata-se de um evidente empobrecimento cultural, que troca a criatividade de centenas de autores espalhados pelo país (algo que garante também a possibilidade de melhor compreensão das necessidades regionais) pela sabedoria dos burocratas paulistas.

Nesta quarta, editoras e livreiros de todo o país se reuniram para fazer um manifesto, tentando explicar aos governantes paulistas o tamanho do buraco em que eles estão jogando a indústria brasileira. “A cadeia produtiva do livro lamenta a decisão da secretaria de Educação do estado de São Paulo. As perdas causadas pela ação, se não forem revertidas, serão irreparáveis”, diz o manifesto, assinado por 11 instituições.

Em entrevista publicada pela Folha de S.Paulo, Feder primeiro afirma que deixará de lado os livros do PNLD porque estão “superficiais”. Todos? Será que todo o trabalho do MEC e da miríade de autores é ruim, e só a cabeça privilegiada do doutor Renato, que nem é da área de Educação, fio capaz de perceber isso?

Mas o secretário também disse que não se trata de uma decisão ideológica. E sua resposta talvez seja o que mais ajuda a esclarecer o que está por trás de tudo isso. Haverá falta de pluralidade? “A gente está preocupado com o ensino técnico. Temos que ensinar matemática, química, física, história, geografia, temos que ensinar o jovem a ler. E estamos colocando as questões de maneira muito profunda, com material sobre saúde, higiene, prevenção a doenças etc. Hoje tive uma reunião para incluir no material o tema dos moradores de rua. Outro dia, conversei com uma associação protetora dos animais para a gente incluir no material didático esse tema. Não tem ideologia, são conteúdos importantes.”

A ênfase, perceba, é na “técnica”. E “técnica” aqui é uma oposição a “humanidades”. O secretário em seu discurso dá todas a pista de que o que se quer é justamente evitar a famosa discussão sobre o pensamento crítico, sobre a necessidade de o aluno ser capaz de ter um pensamento autônomo, de questionar o mundo e a sociedade em que vive. Não se trata de uma educação que dê ao ser humano ferramentas para escolher seus caminhos de vida – o caminho de vida dos estudantes está sendo decidido pelo próprio modelo de ensino que lhes é oferecido.

A ideia é “ensinar a ler”. E a fazer contas. E chega. Nada de livros que queiram falar mais do que o necessário para formar bons operários. Boa mão de obra, calada, para as empresas de Feder e de seus amigos – aqueles que defendem ou defenderam nada menos que a extinção do MEC.

Não é nem um pouco estranho que Feder se proponha a causar um rombo milionário na indústria – desde que se trate justamente de uma das poucas indústrias que visam deixar as pessoas mais cultas e preparadas para discutir a política de gente como eles.

Sim, caro Feder: isso é extremamente ideológico.

Sobre o/a autor/a

Compartilhe:

Leia também

À minha mãe

Aos 50 anos, a vida teve a ousadia de colocar um tumor no lugar onde minha mãe gerou seus dois filhos. Mas ela vai vencer

Leia mais »

Melhor jornal de Curitiba

Assine e apoie

Assinantes recebem nossa newsletter exclusiva

Rolar para cima