O corpo negro de Isabel Oliveira é uma ameaça sim. E isso é ótimo

Isabel Oliveira: seminua em protesto contra racismo em mercado. Foto: Reprodução/Instagram
Protesto de mulher negra que ficou de calcinha e sutiã em mercado após sofrer racismo é símbolo do novo poder negro que toma Curitiba

Dia desses eu falava com um deputado da direita, daqueles que se elegem com votos do Clube Curitibano e da Liga das Senhoras Católicas. Ele me contava do que viu na última eleição, em outubro: estava perplexo com o tanto de negros que viu nos bairros. Ele não falava “negros”, dizia “afrodescendentes” com todo o cuidado, como quem acabou de pegar uma cartilha para saber como lidar com aquilo. O mundo dele estava mudando e ele percebeu.

Pensando do ponto de vista desse pessoal deve ser um pouco assustador mesmo. Imagina: antes era só falar na Confeitaria das Famílias e os curitibanos se identificavam. Você falava na sua “nonna” e o pessoal achava bonitinho e elegante.

Para os “afrodescendentes” que moram no Tatuquara e nunca viram uma coalhada da Schaffer na vida, o Madalosso não diz nada, e a conversa sobre o Thalia parece ser coisa de outro mundo.

E o pessoal do Île de France é tudo menos bobo. Eles podem ver o que está acontecendo em Curitiba como uma invasão de bárbaros, mas por mais que sintam medo (e um certo nojinho mal disfarçado) eles sabem que a coisa vai mudar e que essa mudança vai estourar neles.

O episódio com a professora Isabel Oliveira no Atacadão neste fim de semana é o símbolo maior dessa mudança, que vem ocorrendo há muito tempo, na formação de um movimento negro que hoje é fortíssimo na cidade, mas que só agora vem sendo percebido por quem estava em sua bolhinha regada a uísque doze anos.

Quantas vezes pretos já foram seguidos por seguranças no mercado? Mas a Isabel, toda trabalhada em coletivos negros e politizada no melhor dos sentidos, resolveu não deixar barato. Ficou só de calcinha e sutiã no meio da loja para verem que não ia esconder nada debaixo da roupa, e ainda escreveu uma mensagem no corpo: “Eu sou uma ameaça?”

Parêntese: sensacional a inversão que ela causou. Normalmente as mulheres negras são postas sem roupa para que os homens possam se divertir com a imagem. Ela tirou a roupa para dizer que esse mundo está acabando.

No fundo, Isabel é uma ameaça sim. E os Congregados Marianos, os golfistas, os frequentadores do Pátio Batel sabem disso.

Durante muito tempo Curitiba negou ter pretos. Era uma capital europeia, um Brasil diferente. Agora os negros não só existem como querem mudar a coisa toda.

Carol Dartora virou candidata séria a prefeita.

Renato Freitas chama os pastores pelo seu nome e eles rangem os dentes por não conseguirem puni-lo.

Giorgia Prates, que além de preta é lésbica e periférica, se elege com o nome “Mandata das Pretas” e não tem nada que o pessoal do Novo e do Ecoville possa fazer contra isso.

Os pretos de Curitiba perderam o pudor. E quem tem olhos verá o que vem por aí. Um palpite: não vai demorar pra ter alguém de pele escura sentado no 29 de Março.

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