Exposto, Traiano vive dia de ataques e sabe que o pior está por vir

Presidente da Assembleia Legislativa do Paraná ouviu calado as críticas da oposição e até de antigos aliados

Quando invocou a proteção de Deus e abriu a sessão plenária desta segunda (4), às 14h30, como faz desde 2015, o deputado Ademar Traiano (PSD) estava dando início ao momento mais constrangedor de sua longa vida pública. Desde sexta-feira, quando Renato Freitas (PT) trouxe a público informações de um processo sigiloso, Traiano certamente sabe que o jogo já não é o mesmo para ele.

Durante o fim de semana, o velho presidente se moveu como pôde para manter as coisas como sempre estiveram. Para impedir que as informações saíssem da Assembleia, conseguiu que o Ministério Público, um velho aliado, ressaltasse expressamente o caráter sigiloso dos dados. Quando mesmo assim o documento vazou para a imprensa, recorreu ao Judiciário, outro velho parceiro, e conseguiu uma liminar para calar os jornais.

Até certo ponto, funcionou. Este texto, por exemplo, não pode descrever o caso em que Traiano e o ex-deputado Plauto Miró (União) estão envolvidos, porque a juíza Giani Maria Moreschi atendeu ao apelo de Traiano e impôs uma pesada censura, com multa de R$ 50 mil por dia, ao Plural, à RPC e à Globo. Mas ele sabe que nem isso deve impedir que a população saiba do que está acontecendo.

Primeiro porque existe o Efeito Streisand. O nome vem da atriz e cantora Barbra Streisand, que tentou impedir uma repórter de divulgar informações sobre uma casa dela – e acabou descobrindo que isso só chamou a atenção da imprensa toda para o assunto. Censurar não funciona, e Traiano descobriu isso quando Folha, Estadão, Uol, Conjur, Brasil 247 e sabe-se lá mais quantos jornais e sites começaram a noticiar a censura e dar nome a seu autor.

Exposto na própria tevê

Mas na sessão desta segunda a coisa seria pior. Traiano, empoleirado lá no alto, em sua cadeira da presidência, atrás da proteção de mármore branco, veria a própria TV Assembleia transmitir impropérios e verdades sobre ele. Seus antigos algozes, como Renato Freitas, sempre falariam. Mas agora até aqueles que pareciam inofensivos se voltariam contra ele.

Traiano abriu a sessão dizendo que não falaria nada sobre “o assunto que virou notícia neste fim de semana” por estar sob segredo de Justiça. Disse apenas que no tempo devido aparecerá com a verdade. E abriu a palavra para aqueles que o exporiam ao vexame.

Fabio Oliveira (Podemos), um deputado em geral quieto, que só fala sobre sua amada Lava Jato e seu padroeiro Deltan Dallagnol (Novo), foi à tribuna dizer que a situação era intolerável. “Esconderam da população algo que poderia ter mudado o resultado das eleições de 2022”, disse o deputado. “Essa ação envolve o presidente da assembleia e mais um deputado. Mas nós não temos acesso ao teor desse processo.” E cada palavra era uma martelada a mais na cabeça de Traiano, que como um ectoplasma sobre o mármore tomava sua água e fingia não estar incomodado.

Cada deputado que terminava sua fala ia falar com a imprensa. As câmeras,que até a semana passada estavam voltadas para declarações institucionais de Traiano antes de cada sessão, agora serviam para novas pauladas. Oliveira disse que Traiano nem, deveria estar ocupando cargo público. E que se a reeleição do presidente fosse hoje, não votaria nele.

Até Ricardo Arruda (PL), um deputado que só fala (mal) de Lula e (bem) de Bolsonaro, meteu sua colher. Contou que foi alvo de uma busca e apreensão e depois de se dizer inocente, deu uma estocada no caso de Traiano – que mais uma vez tomou seu copinho de água e manteve o silêncio.

Renato Freitas fala

Mas aí veio o discurso mais esperado do dia. Renato Freitas, o deputado negro e periférico que desde a posse, no início do ano, virou uma pedra no sapato de Traiano; o deputado que o chamou de “corrupto” ao vivo numa sessão plenária; o deputado que revelou as informações do processo de Traiano nas alegações finais de um procedimento do Conselho de Ética iniciado por denúncia de Traiano; pegou o microfone e falou. E como falou.

Renato gastou seus dez minutos falando de todas as tretas que já comprou em seu primeiro ano de mandato e de como os parlamentares da direita,incomodados por isso, tentaram puni-lo. Até chegar no caso de Traiano. Até falar das provas contra ele que revelou. Até dizer que, sim, chamou Traiano de corrupto e que agora comprovou que tinha razão. Num exercício de autocontrole, Traiano deu a ele mais um minuto para completar a fala, que a essa altura citava o Padre Antônio Vieira. Mas ele sabia que não era só na tribuna que seu destino estava sendo minuto a minuto deteriorado.

O pior para ele eram as conversas paralelas, as rodinhas de deputados em que, certamente, já estavam traçando os próximos passos, combinando como será o futuro da Assembleia pós-Traiano. Até sexta, imaginava-se que, a depender de uma decisão do STF, Traiano era forte candidato ao sexto mandato de presidente. Hoje ninguém acredita mais nisso. O ponto é saber se ele chega ao fim do mandato atual.

Dizem (e quanto a isso não há provas) que Alexandre Curi (PSD) seria o principal beneficiado pela queda de Traiano e seu futuro sucessor. Mas antes mesmo da próxima eleição interna, Marcel Micheletto (PL), ex-líder de Ratinho Jr. (PSD), poderia assumir um mandato-tampão, por ser o atual vice-presidente. E no imenso mar de fofocas que é a Assembleia, há quem diga que o deputado já estaria se movimentando para isso.

Seja como for, foi Micheletto quem subiu temporariamente à cadeira de presidente no fim da sessão. Para evitar a imprensa e os fotógrafos, Traiano saiu antes dos demais, sorrateiramente. Antes sempre querendo a vitrine,agora escapava pelos fundos para não ser visto, filmado ou entrevistado. A fotojornalista Tami Taketani, do Plural, porém, já estava a postos, e fez a foto que resume o dia. Traiano, de costas, fugindo do plenário que comanda há oito anos,em busca da proteção de um gabinete que, por enquanto, embora provavelmente não por muito tempo, ainda é dele.

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