Ao julgar vagas para negros, desembargador diz que “não vai sobrar cotas para os normais”

Tribunal decide que Unicentro deve destinar 20% de cotas para negros; desembargador diz que cotas são discriminatórias

A sessão do Tribunal de Justiça do Paraná que determinou a mudança do índice de vagas para cotistas na Unicentro mostrou os desembargadores da Sétima Câmara Cível se pronunciando contra as políticas afirmativas, afirmando que cotas para negros são discriminatórias e dizendo que, a depender do resultado do julgamento, não sobrariam mais “cotas para os normais”.

O julgamento da ação, interposta pela Defensoria Pública, aconteceu nesta semana. O pedido era para que a Unicentro, universidade pública gerida pelo governo do Paraná, aumentasse a parcela de vagas destinadas a alunos negros (pretos e pardos) de 5% para 20%. A tese acabou sendo aceita pelos integrantes da Sétima Câmara, mas não antes de ficar clara a confusão dos desembargadores sobre a legislação vigente e a forma como as políticas afirmativas vêm sendo aplicadas.

Relator do processo, o desembargador José Augusto Gomes de Aniceto votou favoravelmente ao aumento para 20%, dizendo que as vagas devem ser proporcionais à população negra no estado, que segundo o censo é de 43%, e pela existência de 20% de cotas em outros concursos.

Durante o julgamento, não fica claro se algum dos presentes compreendeu como em geral ocorre a distribuição de cotas. Na maioria das universidades públicas federais, o que se adota são 40% de vagas para alunos de escolas públicas, sendo que metade dessas vagas são exclusivas para estudantes negros. A Unicentro adotou sistema parecido,mas com apenas 5% destinados a negros.

A partir daí, começa a confusão. Um integrante da Câmara diz que existe uma lei definindo como devem ser as cotas. O desembargador afirma que não existe essa lei e o colega recua, dizendo que se trata de apenas uma “sistemática” comum.

O desembargador Francisco Luiz Macedo Júnior diz que a Unicentro definiu o uso de 40% de suas vagas para cotistas, mas teria colocado em sua regra de cotas uma parcela mais alta para deficientes (na realidade, o edital de 2024 prevê 5% de vagas para deficientes na universidade). Para resolver o problema dos negros, segundo ele, teria que haver uma diminuição da quantidade de vagas reservadas para deficientes. “Até porque eu acho que não tem tanto deficiente”, diz ele, sem apresentar qualquer dado demográfico sobre isso.

Um dos desembargadores, que não é possível identificar na filmagem, diz em seguida que 40% é “um absurdo”. Em seguida, acrescenta. “A própria cota já uma uma discriminação”. O desembargador Macedo responde dizendo: “Eu sei.” Mas acrescenta: “O problema é que existe a lei. Esse que é o grande problema”, ele diz, sorrindo.

A seguir Macedo afirma que na região da Unicentro (que tem sede em Guarapuava), “tem muito índio”. “Eu perguntei para o defensor público com relação às cotas para índios. Se os índios entravam nessa coisa de pardos. Ele diz que não.”

Um dos desembargadores responde dizendo que assim vai haver muita cota. “Não vai sobrar cota pros normais“, diz um desembargador que não é possível identificar na transmissão da sessão via YouTube.

Todo o julgamento durou menos de dez minutos. Um dos integrantes da Câmara chega a dizer, depois de vários desembargadores deixarem claro que não tinham certeza da lei vigente ou da solução que deveria ser adotada, que o melhor seria alguém pedir vistas. “Eu gostaria de estudar isso.” No entanto, a Câmara decide que já tinha tomado a decisão.

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