Início de viagem

Com a entrega do motorhome, começa a jornada pelas Américas

“Senhor, eu tenho doutorado, dirigimos uma empresa no Brasil, nossa situação financeira é confortável e não precisamos imigrar ilegalmente para os EUA”. Durante meses fiquei pilhado em como seria a imigração no aeroporto. Nunca estive antes na terra do Tio Sam. Costumava treinar sozinho, em voz alta, eu e os meus diálogos imaginários em inglês com o sujeito da fronteira que seguramente iria me chamar para a salinha.

“Como assim você não tem emprego e vai comprar um motorhome aqui?”, o bad cop iria gritar para mim com o rosto vermelho. Li a respeito de uma porção de situações de deportação, assisti à série “Aeroporto – área restrita”, que mostra o trabalho real da Polícia Federal em Guarulhos, fiquei viciado em canais do Youtube que entrevistavam deportados – eu já tinha certeza, tudo iria dar errado.

E, bem, quando chegou a nossa vez na fila do aeroporto de Houston, como foi? Houston, we have a problem? Um sujeito simpático, sorridente, nos pediu os passaportes e perguntou a razão da nossa viagem. “Tourism, sir”. “Tire os óculos para tirar a foto, por gentileza”. “Vocês moram no Brasil?”, “Quantos dias pretendem ficar em Phoenix?”. “Welcome to the United States.” E foi isso. Durou três minutos, no máximo.

Eu desconfio que hoje o sistema de vigilância dos Estados Unidos é tão poderoso que os oficiais já sabem antes de a gente chegar o que vamos fazer. Se duvidar, tem uma inteligência artificial que acompanha os e-mails, as redes sociais, nossos planos todos. Então eles já sabiam que não viemos para uma imigração ilegal. Ou demos muita sorte. Conexão feita, chegamos em Phoenix às 20h.

Após a noite desmaiada no hotel, o primeiro compromisso: finalmente, depois de dezenas de e-mails trocados ao longo de seis meses, pegar o motorhome na loja que é o quartel general da Cruise America – a maior empresa de locação e vendas de motorhomes dos EUA. Depois de 4 ou 5 anos de uso para aluguel, eles reformam a casinha de cabo a rabo e deixam à venda. Li uma porção de resenhas no YouTube de gente que comprou este tipo de motorhome e ficou feliz.

Na ida até a Cruise America, que fizemos a pé, nossas primeiras impressões da região metropolitana de Phoenix. Parece que estamos dentro da série “Better Call Saul”. Não há prédios altos, as quadras são longíssimas e as ruas imensas. Lojas gigantescas estão por todos os lados. Não se vê as pessoas na rua – todos andam de carro –, como Brasília. Mesmo sendo um trajeto curto, ir a pé até a Cruise America não foi bom negócio. Tem feito até 46 graus Celsius durante o dia. O Arizona é um grande deserto.

Então chegamos na Cruise America. David, o atendente que me vendeu o equipamento, se aposentou no meio do processo. Quem me atendeu agora foi seu substituto, Kevin. A entrega foi tranquila, com algumas instruções, mas sabemos que muito do que precisaremos só será aprendido na prática.

Saí dirigindo o motorhome. Este é um dos novos aprendizados. Eis um pequeno caminhão. No Brasil, dirigir um veículo destes só é possível com carteira especial – ainda que no resto do mundo seja possível dirigir motorhome similar com a carteira normal. Fazer curva é diferente e não há espelho retrovisor central, somente dois imensos espelhos laterais em cada lado. Apesar dos pesares, até que não é muito difícil dirigir o trambolho. A Fran batizou a criança: Paçoca.

Nossa primeira parada foi tentar achar um esquema para melhorar o sistema de segurança e mobilidade do carro: alarme, câmera de ré, kit multimídia. A loja que nos indicaram se chama Sounds Good to Me. O nome já é divertido. Quando entramos na loja conhecemos Mark. Ele deve ser um pouco mais velho do que a gente, na faixa dos 60, cabelos grisalhos e olhos azuis claros. É um sujeito animado, engraçado e extremamente prestativo. De certo modo, Mark foi o primeiro americano que conhecemos mais de perto. Ele fez os orçamentos, mas avisou que só teria agenda para quinta-feira.

Até quinta-feira, teríamos o nosso tempo para comprar tudo o que faltava no motorhome: roupa de cama e banho, utensílios de cozinha, comida, decoração etc. E começamos com uma grande dica de Mike: a Goodwill. É uma loja de artigos usados, gigantesca, super bem organizada – um monumento à sustentabilidade dentro do país do desperdício. Os preços são baratíssimos. Tudo custa entre 3 e 5 dólares. Compramos coisas maravilhosas por este preço: panelas, pratos, artigos de decoração. O que não achamos na GoodWill encontramos no WallMart e no Home Depot.

Ainda bem que a Fran veio. Ela pensou em cada detalhe, tem formação e cabeça de designer – em dois dias, a Fran conseguiu deixar a casa bonita, aconchegante e super funcional. Depois das compras, fomos dormir no primeiro camping. Passamos a tarde toda lavando os artigos de cozinha, passando pano em armários e banheiro, colocando quadrinhos e instalando porta-trecos. Foi trabalhoso, mas também extremamente prazeroso. Esta é a primeira nova casa desde que vendemos a nossa em Curitiba, em dezembro do ano passado. Coincidiu de ser aniversário do nosso casamento – 22 anos juntos. Fiz a janta, acendemos velinhas e brindamos. Começa uma longa aventura.

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