Chicago

Visitar Chicago é ficar pensando, o tempo todo, em como uma cidade pode ter um vigor estético tão poderoso e extraordinário

Se eu fosse resumir a história da arte em uma única ideia, provavelmente eu apostaria em algo que conversasse com o conceito de animal simbólico, do filósofo alemão Ernst Cassirer. 

Os sapiens gostam dos símbolos. A nossa relação com o mundo não é somente com o próprio mundo, mas com intermediários simbólicos que criamos – como a linguagem ou a arte.  Nós podemos gostar dos símbolos pelos próprios símbolos, sem uma necessidade funcional ou de sobrevivência. Por exemplo, as roupas poderiam ser simplesmente uma proteção contra a chuva ou o frio – mas os sapiens gostam de pintá-las, de inventar formas, de criar desenhos e adereços. Gostamos de criar mundos com os símbolos. Qual a função fisiológica disso? Nenhuma, só a nossa necessidade simbólica, a nossa paixão simbólica.

Detalhe da arquitetura. Foto: André Tezza

Pensava nesta ideias na semana que passei em Chicago. A cada nova quadra descoberta, a cada nova aposta arquitetônica, um assombro. Visitar Chicago é ficar pensando, o tempo todo, em como uma cidade pode ter um vigor estético tão poderoso e extraordinário. Há pouquíssimas cidades assim no mundo. Das que eu visitei, só consigo pensar em Veneza, Hoi An e Istambul no mesmo patamar de beleza – talvez não por coincidência, todas são cidades rodeadas por água.

Foram meus últimos dias com o meu primo Thiago. Viajando de motorhome tínhamos um desafio: não havia nenhum camping próximo da cidade, somente um estacionamento pago, relativamente perto dos meios de transporte. Mas neste estacionamento não há nem água nem dump station, a estação para fazer o esgoto do motorhome.

Estação de trem à noite. Foto: André Tezza

A ideia seria não sair do estacionamento pelos próximos sete dias e, para isso, o racionamento de água chegou em limites que eu achava que não eram possíveis. Economizamos inclusive no uso do banheiro – demos preferência para os banheiros químicos do estacionamento. O banho era tão rápido que não dava tempo nem de chegar a água quente do boiler. Nem digo que tomamos banho de água fria porque o abrir e fechar relâmpago da torneira fazia com que eu desconfiasse que nem água tinha saído. O sacrifício foi grande, mas o plano foi bem-sucedido. Pela primeira vez na história do Paçoca, a caixa de água de 150 litros havia chegado a uma semana completa sem precisar reabastecer. Eu desconfio que no ritmo em que estávamos, a água poderia durar mais de um mês.

O que mais fizemos em Chicago foi caminhar. O viajante que só fizer isso seguramente irá voltar para casa satisfeito. A arquitetura é deslumbrante, uma aula a céu aberto. A cidade tem o seu próprio estilo para exportar, a escola de Chicago. São prédios com poucos ornamentos, alinhados com o modernismo do século XX. Entre os prédios, há canais, parques e várias esculturas de grandes proporções, como as de Kapoor, Calder e Picasso.

Flamingo, escultura gigante de Alexander Calder. Foto: André Tezza

Não bastasse isso, a vida cultural é intensa. Estão na cidade alguns dos melhores bares de blues e jazz dos EUA, um dos melhores museus do mundo (o Art Institute de Chicago) e uma das melhores orquestras do mundo, a Sinfônica de Chicago.

Tivemos sorte: enquanto estávamos na cidade, havia um concerto com a sinfônica tocando a primeira sinfonia de Mahler. As sinfonias de Mahler são uma excelente forma de se conhecer uma orquestra: há muitos músicos no palco, as peças são longas e o compositor gosta de fazer experimentos na mesma composição. Mesmo com ingressos a preços populares, o Orchestra Hall não estava lotado e quem estava no auditório tinha idade avançada – como em todas as salas de concerto, há uma crise na renovação de público.

Show com Demetria Taylor. Foto: André Tezza

Eu tinha comprado uma roupa nova só para ver a sinfônica. Alguns anos antes, em Milão, passei vergonha em um concerto no La Scala, quando eu era a única pessoa que não estava trajando pelo menos um terno. Para não repetir a gafe, investi alguns trocados em um outlet de Chicago, mas, para a minha grata surpresa, no dia do concerto eu e meu primo Thiago provavelmente éramos as pessoas mais bem vestidas. Os americanos são bem desencucados com as roupas, é uma das coisas boas dos Estados Unidos.

No Art Institute, pude ver alguns dos meus quadros preferidos da história da arte, como Nighthawks de Hopper ou as Duas Irmãs de Renoir. E fechando a nossa programação, um show de blues com Demetria Taylor. Pela primeira vez na viagem, comecei a vivenciar o esplendor da música negra dos Estados Unidos. Era um aperitivo do que iria começar dali a alguns dias, uma grande road trip de Memphis a New Orleans, com meu tio Cristovão Tezza. Será o assunto da próxima coluna.

À beira dos canais, há bares, restaurantes, parques e calçadões. Foto: André Tezza

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