As cidades de Gustavo Minas

Os retratados de Gustavo Minas geralmente são os brasileiros que trabalham muito, que estão diariamente nas estações de ônibus, no comércio, que andam apressados nas ruas e calçadas das grandes metrópoles

Em português o nome do gênero é fotografia de rua, mas mesmo por aqui é bastante comum usarmos o termo em inglês: street photography. O fotógrafo é um voyeur da cidade, busca a cultura urbana, a arquitetura, hábitos e, sobretudo, as pessoas.

Considero um dos gêneros mais difíceis da fotografia, porque tudo joga contra – ainda que existam exceções, em geral a fotografia de rua trabalha com a espontaneidade e é muito difícil lidar artisticamente com o imprevisto. As pessoas não posam, a luz não é controlada. O fotógrafo deseja a invisibilidade, documentando o cotidiano e evitando interferir. Conseguir uma estética própria na fotografia de rua é algo raro, digno dos melhores mestres.

Repertório: conversa com a pintura e as outras artes moldam trabalhos. Foto: Gustavo Minas

Nos últimos anos, um grande fotógrafo brasileiro começou a se destacar neste gênero: Gustavo Minas. Como o nome sugere, Gustavo Minas é mineiro, nascido em Cássia – no último censo, a cidade tinha menos de 18.000 habitantes. Formou-se em jornalismo em Londrina e, depois, estudou linguagem e história da fotografia com o mestre Carlos Moreira, em São Paulo.

Gustavo Minas é um fotógrafo extremamente disciplinado. Ele tira fotos todos os dias. Sua estética gosta dos reflexos e da mistura de múltiplas camadas em cada fotografia – suas imagens são complexas, cada uma é um pequeno enigma a se decifrar. Apesar da complexidade, há um notável equilíbrio de composição e uma distinta preocupação com as cores. É um dos melhores coloristas contemporâneos – não por acaso, uma de suas inspirações é de um gênio da cor, o californiano Alex Webb. Gustavo Minas é tão bom que conseguiu fazer street photography de altíssimo nível em Brasília, uma cidade em que, como sabemos, é muito difícil encontrar as pessoas nas ruas.

Cenas do cotidiano exigem que fotógrafo fique “invisível”. Foto: Gustavo Minas

Os retratados de Gustavo Minas geralmente são os brasileiros que trabalham muito, que estão diariamente nas estações de ônibus, no comércio, que andam apressados nas ruas e calçadas das grandes metrópoles. Mas há espaço também para a sedução, para os prazeres da noite, para o lazer da periferia. São muitas cidades e ao mesmo tempo uma só – é uma grande colagem que revela a identidade do Brasil urbano contemporâneo.

Fiz uma breve entrevista com Gustavo Minas por e-mail. As respostas são tão inspiradoras que decidi publicá-las na coluna integralmente, sem editar.

Você costuma dizer que a literatura foi uma paixão anterior à fotografia. Os livros te ajudaram a construir o seu olhar fotográfico?

Eu não consigo pontuar exatamente de que maneira, mas tenho certeza que sim. Sempre gostei muito de livros que se passam nas ruas, como os do João Antônio, por exemplo, além do Tanto Faz, do Reinaldo Moraes. Acho que quanto mais você lê, mais você vai construindo um imaginário de personagens na cabeça, que você “acessa” quando encontra pessoas que te façam lembrar deles nas ruas.

Tem uma coisa curiosa que aconteceu quando fui fazer uma oficina com a curadora Rosely Nakagawa. Apresentei a ela um trabalho sobre Brasília, e quando ela bateu o olho ela disse que as fotos a lembravam de um escritor japonês, o Haruki Murakami. E por acaso nos últimos anos eu tinha lido muita coisa dele. Então acho que é algo que acaba aparecendo no trabalho, de alguma maneira, mesmo sendo linguagens totalmente diferentes.

Fotógrafos de rua vivem em busca do instante perfeito. Foto: Gustavo Minas

Em “Cidades Invisíveis”, o escritor Italo Calvino conta uma grande viagem imaginária de Marco Polo. As cidades oníricas da história se parecem todas entre si e são uma espécie de fantasia de um único lugar, Veneza, a cidade natal de Marco Polo. Há alguns temas que sempre se repetem nas cidades que são retratadas na sua fotografia – para além da identidade própria de cada lugar, você busca um sentido universal do mundo urbano?

Não é uma busca consciente, não saio de casa atrás desses temas, mas acho que eles acabam reaparecendo de uma maneira ou de outra, porque são coisas que me tocaram (pela luz, pelo drama ou pela beleza) ou personagens com os quais tive algum tipo de identificação. Mas penso que com certeza estou mais interessado nesse sentido universal do que em retratar os lugares exatamente como eles são, de uma maneira muito descritiva. A descrição não me interessa tanto.

Em um dos seus cursos da Domestika, você comenta que é preciso ser um estrangeiro dentro da sua própria cidade – esta ideia está também em “A Arte de Viajar”, de Alain de Botton. A ideia da “viagem” é uma ideia importante para a sua estética?

Bastante. Eu tento mesclar essa busca por lugares novos com revisitas aos mesmos lugares. Em Brasília, por exemplo, estou na Rodoviária pelo menos umas 3 vezes por semana, mas ao mesmo tempo procuro sempre pegar o metrô umas duas vezes por semana e descer em estações que conheço menos. Muitas vezes não rende tanta coisa, fotograficamente, mas esse deslocamento é sempre importante. Gosto muito de fotógrafos como o Bernard Plossu, que fotografaram muito nesses deslocamentos, ou o Tom Wood, que tem dois livros totalmente fotografados de dentro de um ônibus.

Imagens de trabalhadores marcam a obra de Gustavo Minas. Foto: Gustavo Minas

Fotógrafos de fotografia de rua frequentemente comentam como o celular pode ser uma das melhores câmeras possíveis para o gênero, por conta da sua “invisibilidade”. O que você pensa disso? Vê a popularidade do celular como uma ameaça para o desenvolvimento das câmeras profissionais?

De maneira nenhuma, acho que são duas ferramentas totalmente diferentes, que podem ser usadas para propostas diferentes. Eu mesmo muitas vezes acabo sacando o celular do bolso quando estou com a câmera, seja porque ele me permite uma aproximação maior, ou porque quero mais discrição, ou porque a imagem de um iPhone hoje tem mais latitude do que a de uma câmera. O celular também me permite ser mais experimental, tenho até um segundo perfil no Instagram pra essas fotos: @minas.movel

Você tem um apreço pela pós-produção, tendo inclusive feito videoaulas para a Adobe. No seu entendimento, dominar o software de imagem se tornou uma formação indispensável para o fotógrafo contemporâneo?

Eu acho que seja importante, mas não essencial. Hoje tem câmeras que entregam um JPEG muito bom, perfeitamente usável e com cara de analógico, com alguns ajustes no menu. Eu não gosto muito da pós-produção porque me faz passar mais horas na frente da tela, mas claro que isso é parte do meu trabalho.

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