O Rock Camp Curitiba e a luta contra o etarismo

Em março deste ano, em pleno mês do dia da mulher, fomos surpreendidas pelas notícias sobre jovens mulheres, universitárias da cidade de Bauru (SP), que em uma rede social, criticaram a presença de uma aluna com mais de 40 anos iniciando seus estudos na mesma faculdade. O resultado foi todo mundo falando sobre o ocorrido, mas poucos pensando o etarismo como algo que afeta tanto as mulheres jovens quanto as mais velhas.

Participo do Rock Camp Curitiba desde 2018, quando ainda não tinha 45 anos. Naquela época, embora já me achasse mais velha que a maioria das voluntárias, esse ponto não me chamava a atenção. Hoje, aos 49 anos, tenho uma outra visão do todo e a diferença de idade entre as voluntárias se fez mais presente.

Infelizmente, uma das frases que eu – atenção à ênfase do eu – mais repeti durante o Camp realizado em janeiro deste ano foi “sou a tia velha do rolê”. Uma frase preconceituosa comigo mesma, mas que muitas vezes define minha sensação de peixe fora d’água ao ver mulheres na casa dos 30 anos (ou menos) empolgadas e superdispostas durante a semana de trabalho voluntário.

Obviamente esse preconceito está em mim e na minha dificuldade de entender a etapa de vida na qual me encontro, mas ao mesmo tempo, fico com a sensação de que isso é uma grande bobagem ao ver que a cada ano que passa, o Camp oferece meios de contemplar cada vez mais toda a diversidade presente no voluntariado. Inclusive a etária.

Ora, a música – veículo condutor de todo o projeto – sempre esteve associada à juventude. Como encarar ou explicar que isso não é uma questão? Como podemos e devemos pensar o Rock Camp Curitiba – lugar seguro, de acolhimento da diversidade e onde é possível reunir pessoas de todas as idades – para estarmos preparadas para essa diferença etária?

Rock Camp Curitiba

Resolvi conversar com algumas mulheres da minha faixa etária e outras mais novas (bem mais novas) e saber como elas se sentem nessa convivência durante os eventos promovidos pelo Rock Camp Curitiba, seja na colônia de férias para crianças e adolescentes, seja na versão adulta, o Rock Camp 18+: “Realmente uma das primeiras coisas que me impactaram no Camp foi ter sido recebida com igualdade em todos os aspectos pessoais”, me contou Cátia Rodrigues, de 51 anos.

Cátia, que participou como voluntária na primeira edição do Camp 18+ e retornou para o camp de crianças em janeiro, complementa, dizendo que “Além de não ter sentido nenhum preconceito com a minha idade, pude ver o respeito das meninas com outras pessoas mais maduras e fiquei encantada. Vivo em Curitiba há 26 anos e tenho participado de inúmeros projetos sociais de inclusão e jamais tinha visto tamanho acolhimento”, fala.

Bruna Lima tem 32 anos e foi voluntária pela primeira vez aos 29 anos: “Fiquei encantada porque, além de pessoas mais novas (o que eu já esperava encontrar), também fiz amizades com pessoas 10, 15, 20 anos mais velhas do que eu”, diz ela.  “A mistura de idades torna tudo mais rico, pois temos a mais diversa gama de experiências, vivências e conhecimentos”, complementa.

Voluntária pela primeira vez no Camp 18+ do ano passado, Kati Olimpo, de 45 anos, considerou uma experiência muito interessante e sentiu-se incluída no grupo, no qual “a maioria oferece abertura e disponibilidade de conhecer e conviver com uma mulher mais velha”, diz. No entanto, ela relata que percebeu uma experiência diferente em relação à filha de 13 anos que foi campista na última edição: “Ananda estabeleceu laços imediatamente, mas sinto que pela diferença de idade se torna mais difícil estabelecer esses laços, pois são vivências distintas, fases diferentes da vida”, pondera.

Convivência

“Essa convivência com mulheres mais velhas é muito interessante. É uma troca muito valiosa, de humanização, de ressignificação. Tenho duas irmãs mais velhas e ter esse tipo de convivência me fez ressignificar um pouco como eu as vejo. [A experiência] me oferece uma noção de que a gente está sempre em construção, independentemente da idade”, reflete Ingrid Soares de Lacerda, de 30 anos, voluntária do Camp.

Marlisi Rauth tem 43 anos e é coordenadora de voluntariado do Rock Camp Curitiba. Ela conta que são muitos os relatos de voluntárias, de todas as faixas etárias, contentes com essas trocas que as diferenças etárias proporcionam: “Lembro de uma voluntária na faixa dos vinte e poucos anos dizendo que se sentia feliz e cheia de esperança ao conhecer mulheres vinte anos mais velhas que ela, mas com o mesmo corte de cabelo, cheias de tatuagens e roupas parecidas com usadas por ela; ela me disse que parou de pensar que deveria ficar séria e esconder suas tattoos quando passasse dos 30 anos”.

O Rock Camp não atua somente para que crianças, jovens e adultas entrem no mundo da música. Muitas vezes, o Camp é uma ferramenta de autoconhecimento e resgate de nossas próprias vidas. Cátia nos relata que participar do Camp fez toda a diferença, especialmente na idade dela: “Com a pandemia, a menopausa e a separação dos meus filhos (que foram morar sozinhos durante a pandemia) eu tive muito pânico de sair de casa, por vários motivos e inclusive por medo de me julgarem pela minha idade. O Camp foi crucial na minha recuperação, sou grata”, declara.

Barreiras

Ela sabe que ainda existem barreiras a serem quebradas: “Ainda me sinto insegura, mas só de pensar que vou encontrar todo esse time do voluntariado, eu crio coragem e vou, me fortalece a ideia da existência de vocês”, termina. Peguei um lencinho nesta hora porque não segurei as lágrimas.

Um fato que tem chamado a atenção nestes últimos anos e está ligado a essa “permissão” que estamos nos dando de ocupar os espaços que queremos, é a quantidade de bandas compostas por mulheres no cenário curitibano – boa parte delas vindas do Rock Camp:

“O show case 18+ e as bandas que estão sendo formadas com as participantes do Camp mostram que aos poucos, os espaços estão sendo abertos, isso vai motivando e alcançando mais e mais mulheres, independentemente da idade”, diz Fernanda Alvarez, que tem 43 anos, já foi voluntária e campista e faz aula de guitarra.

Etarismo

Fernanda acredita que por tratar-se de um conceito muito enraizado na nossa cultura, o combate ao etarismo é uma tarefa difícil, mas entende também que “quanto mais as pessoas mudarem a visão por meio dos exemplos que o Camp nos traz, mais a mentalidade vai mudando”.

Perguntei então à Cátia, sobre uma possível participação do Rock Camp 18+ como campista: “Estou me dando o direito de sonhar, quem sabe?!”, respondeu.

Analisando todos esses relatos, me parece que além de entendermos que nós mulheres, podemos ocupar todos os lugares que quisermos, devemos também olhar para as mulheres mais velhas e aprender com elas, respeitar suas trajetórias e defender sua vontade de estar onde elas quiserem. Também é importante que nós, mulheres mais velhas, olhemos com afeto e respeito para as mais novas. Também podemos aprender com elas e compartilhar o máximo de experiências possível.

O papel do Rock Camp Curitiba também passa por seguir oferecendo um ambiente seguro para mulheres de todas e qualquer idade. Nesse propósito, estamos mais juntas do que nunca, já ansiosas pelo segundo Rock Camp Curitiba 18+, cujo único pré-requisito é ter mais de 18 anos. E então, vamos juntas?

2 comentários em “O Rock Camp Curitiba e a luta contra o etarismo”

  1. Eu sou uma mulher mais feliz e mais certa de quem eu sou depois de conhecer o Rock Camp e tantas mulheres incríveis. Nós somos porque temos umas às outras.

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