Nenhum quadrinho é essencial – nem os essenciais

Com certeza em algum momento da vida você já ouviu a fatídica frase: “esse filme é essencial para entender sobre esse tema”. O mesmo pode ser falado de grande parte dos tipos de artes visuais, sejam elas pinturas, peças de teatro, livros e, é claro, o nosso tema por aqui, os quadrinhos. Apesar disso, essa frase não poderia estar mais equivocada e não deveria – por ninguém mesmo – ser usada. Afinal, a arte não é essencial, ela não tem intenção, objetivo, nem nada. A arte é inútil. É isso mesmo que você leu, ela não tem utilidade para nada, apenas é uma expressão de uma sensação de um/uma artista ou um grupo de artistas. Por isso, não precisa ter o objetivo de agradar a alguém ou algum grupo, mesmo podendo fazer isso (caso tenha alguma vontade por parte de quem realiza).

Pois bem, o tema me veio a mente após a leitura da nova edição de “A Infância do Brasil”, lançada pela editora Nemo. Aliás, um capricho de edição, que traz textos e um acabamento editorial que conseguem buscar questões além da HQ por si só. A obra de José Aguiar foi lançada originalmente em 2017 e chegou a ser finalista do prêmio Jabuti, em 2018. Nela, o autor busca traçar paralelos entre a história do Brasil e a infância, em diversos períodos diferentes – desde o início da colonização até os tempos atuais. Apenas por esse trecho, é possível perceber como se trata de uma produção que traz uma crítica social.

Desse jeito, quem pega pela primeira vez o quadrinho, já pode colocar ele prontamente na estante de “essenciais”. A produção faz um interessante retrato narrativo em uma brincadeira de sempre apontar o mundo contemporâneo como remetente do passado, da tragédia brasileira. Isso é muito bem idealizado, especialmente por toda a construção de pequenas histórias estranhas, mas que sempre acabam com algum posicionamento ao fim.

Apesar de prontamente uma gigantesca indignação perante aos problemas onipresentes na juventude nacional, Aguiar também deixa muito de “A Infância do Brasil” para o leitor. A cada trama, que sempre termina de forma bem abrupta e forte, traz um olhar diferente para aquele que folheia as páginas. Há um objetivo bem claro de colocar a discussão para além do próprio papel em si. Por isso mesmo, em certo sentido, é quase como se o autor retirasse esse véu de “essencial”. Ela não é, não precisa ser, é apenas um retrato, um olhar, uma visão. Que os ventos dessa grande HQ ecoem ainda mais, e que a arte, especialmente a nona, seja cada vez mais inútil. Cada vez mais o que ela é.

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