Daniel Clowes e a sátira da nerdice em “Pussey!”

Os nerds viraram pop. E isso não é algo que ocorreu por agora, mas foi uma construção ao menos desde o início do século XXI. Os quadrinhos, apesar de populares, porém renegados às crianças, se transformaram em um conteúdo de ampla disseminação. Do mesmo jeito os videogames, que angariaram uma população por completo. Dessa forma, a nerdaiada, que sofreu tanto, começou a se ver como grandes figuras na atual conjuntura cultural. Um pouco desse zeigest do final dos anos 1990 e início dos anos 2000 está dentro da HQ “Pussey!”, de Daniel Clowes. Apesar de ser também um super geek (colocar algum sinônimo, por favor), o quadrinista traz uma gigantesca sátira para esse universo que tomava forma.

Isso acontece através do desenvolvimento da vida de Dan Pussey, um jovem apaixonado por quadrinhos que começa a querer trabalhar dentro desse contexto. Ele acaba fazendo extremo sucesso, se transformando em um dos grandes expoentes de uma geração. Contudo, não sabe lidar bem com a fama e nem com a maneira de estar dentro do mercado de trabalho.

A proposta da trama já dá as caras do que veremos pela frente. E Clowes não poderia ser mais óbvio nesse desenvolvimento, já que seu objetivo é justamente ser escrachado com tudo. Desde a forma como esses próprios artistas – na maior parte dos casos, jovens – são remunerados, até mesmo como a cultura dos fãs pode estar se tornando algo meio bobo até. Bom, apesar de publicado inicialmente entre 1989 e 1994, a obra tem diversos pontos extremamente modernos, como esse próprio elemento dos fãs. Daniel Clowes parece ser um grande hipócrita (e ele assume isso) em reclamar da maneira como essa sociedade nerd está sendo construída. É algo que beneficia ele, especialmente pelos eventos, mas que o torna extremamente refém de uma indústria.

Se “Pussey!” é engraçado e divertido nessa abordagem, também é muito premonitório. As críticas da forma como esses jovens e homens vão lidar com esse universo naquele período, reverbera ainda nos dias atuais. Muitos acham que estão tratando de personagens, maneiras de fazer histórias, que nunca poderão mudar ou ser diferentes do que está previsto em vossas cabeças. Ao mesmo tempo que, eles também querem venerar até o fim figuras ou irreais ou cheias de erros. Essa construção desemboca no que se pode ver ainda hoje em Comic Cons da vida ou mesas de RPG: mentes que pararam no passado.

Essa falta de uma valorização do presente é até algo pouco dito dentro da HQ, só que está relacionada muito a forma como iremos observar os artistas – essencialmente os quadrinistas aqui. São como deuses, incapazes até mesmo de conseguir pagar as próprias contas. Tudo isso presente nesse processo que começa pela maneira como a cultura dos fãs foi fundamentada.

Podemos até nos divertir muito (comigo foi assim, pelo menos), mas é inegável que Daniel Clowes constrói algo traumático com “Pussey!”. Impressionante que, tantos anos após sua publicação, ainda parecemos estar bem mais próximos de lá do que do futuro. Reconhecido por tratar de juventudes em suas publicações, o autor talvez tenha traduzido com perfeição uma das piores delas.

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