Só as sombras falam
O nepalês passa a navalha pela minha nuca, eu não respiro. No espelho, a imagem transida de medo me ironiza, sorri para mim: A navalha é o risco, você não tem controle sobre ela
O nepalês passa a navalha pela minha nuca, eu não respiro. No espelho, a imagem transida de medo me ironiza, sorri para mim: A navalha é o risco, você não tem controle sobre ela
Tento conceber os livros, que tanto admirei ao longo de mais de quarenta anos, como pesos de papel, revistas abandonadas por falta de imagens, inúteis caixas de palavras desprovidas de valor
Por cerca de um ano, pendurado no ônibus como macaco, olhei através das grades Cyndy passar por minha jaula, indiferente
Desde que me mudei para cá vejo idosos por toda parte, andando cabisbaixos, hesitantes, parados nas esquinas para olhar boquiabertos uma banalidade qualquer, sentados nos bancos de praça com suas máscaras mal colocadas
As lavadoras de antigamente lavavam com água e produziam espuma espessa. Faziam um barulho assustador, às vezes tinham ataques epilépticos e saltitavam pelo chão
Sob a insistência do meu olhar, sua boca fina delicadamente cerrada e os olhos expectantes sorriem irônicos
A fome era tanta que tinham uma ficha metálica com um triângulo vazado no meio. De posse desta ficha podiam buscar comida “na tropa” ou na Santa Casa de Misericórdia
Por entre as nucas das pessoas à minha frente, estáticas como eu diante da vidraça da estação de barcos do Barreiro, o Fernando Namora descreve…
Ele desce a escada devagar. Mais de sessenta anos, tantas escadas. Tira o boné e tenta cobrir a calva com os longos cabelos brancos que ainda resistem do lado esquerdo da cabeça
Desde que chegamos ao restaurantezinho, não me dirige a palavra. Se digo ou pergunto algo, responde à minha companheira