À sombra de Salazar
A fome era tanta que tinham uma ficha metálica com um triângulo vazado no meio. De posse desta ficha podiam buscar comida “na tropa” ou na Santa Casa de Misericórdia
A fome era tanta que tinham uma ficha metálica com um triângulo vazado no meio. De posse desta ficha podiam buscar comida “na tropa” ou na Santa Casa de Misericórdia
Por entre as nucas das pessoas à minha frente, estáticas como eu diante da vidraça da estação de barcos do Barreiro, o Fernando Namora descreve…
Ele desce a escada devagar. Mais de sessenta anos, tantas escadas. Tira o boné e tenta cobrir a calva com os longos cabelos brancos que ainda resistem do lado esquerdo da cabeça
Desde que chegamos ao restaurantezinho, não me dirige a palavra. Se digo ou pergunto algo, responde à minha companheira
A luz à minha volta se expande para dentro da matéria. Me sinto cercado pelos deuses. Súbito, me sorvem, sou parte deles, no sopro para fora que é um regressar a si, fundamente
Contaminamos o menino com países, religiões, profissões, números, sobrenomes, diferenças de sexo, de classe, de raça, desenhamos em sua nuvem multiforme o mapa sombrio das fronteiras
Dona Ana não gosta de pegar o elevador sozinha, fica olhando o movimento até alguém chegar
Posso imaginá-la sentada na poltrona de veludo gasto, pequena, rechonchuda, entre santos de gesso descorado, andorinhas de porcelana negra e retratos de parentes mortos
A bola vermelha cai diante do banco em que estou sentado. Olho em volta, à procura de quem virá buscá-la. Curiosamente, ninguém aparece. Imagino alguém que desistiu de jogar, de ter metas, de provocar em si as excitações da derrota ou da vitória