Quem são os ladrões de água e vida no Brasil e no Paraná?

O recorde na falta de água coincide com o recorde de desmatamento no Paraná. Já sabemos quem são os responsáveis pela agonia que vivemos

Rezar com fervor, muita fé e esperança para que São Pedro traga chuva suficiente para abastecer as cidades e suprir as demandas da agricultura pode ser uma das poucas práticas à mão para todos. Isso porque se vislumbra um processo de redução drástica da disponibilidade de abastecimento ao longo de todo o inverno que se aproxima, somado a um longo período de seca e racionamentos em toda a região sul do país. Tudo muito fora das curvas históricas de precipitação. Efetivamente, precisaremos de um milagre. 

Dentro de uma agenda pragmática, a perspectiva é desalentadora. Ao mesmo tempo em que vivemos um momento crítico em relação a disponibilidade de água, áreas naturais vêm sendo sistematicamente destruídas. Se depender de nossos governantes e de grupos setoriais que dominam e manipulam esses governantes, o desmatamento seguirá com índices crescentes, mesmo em regiões já amplamente devastadas, como é o caso dos estados do sul do Brasil. 

Os dados do sistema de alerta do MapBiomas, consolida o Paraná como o estado que mais destruiu áreas do bioma Mata Atlântica no último ano. Foram nada menos do que 2.197 hectares de florestas suprimidos. 99% dos desmatamentos são ilegais e, parte considerável deles, sobre áreas de preservação permanente. Avançamos o sinal de forma criminosa, a despeito da Lei da Mata Atlântica, que proíbe esse tipo de atividade em toda área de ocorrência do bioma.   

O registro de recordes de destruição de áreas naturais antagoniza com a enorme necessidade de mantermos as mesmas, na qualidade de produtoras de água. Sem mananciais conservados, sem remanescentes naturais em proporção adequada, nossa capacidade de mitigar os efeitos de eventos extremos como o que vivemos hoje, fica extremamente limitada. O “tiro no pé” do desmatamento ilegal reverbera em todos os cidadãos de forma violenta. 

Em vez de estabelecer políticas austeras para o cumprimento da Lei, os órgãos ambientais paranaenses mudaram seu foco de atuação radicalmente. Atuam hoje como fomentadores de licenciamentos ambientais acelerados, a única agenda plausível defendida pela atual gestão no campo do meio ambiente. E, acelerado, não representa apenas ganho de tempo, mas simplificação e flexibilização, no mesmo contexto anunciado solenemente pelo ministro Ricardo Salles, que usa o Ministério do Meio Ambiente para desconstruir a agenda ambiental brasileira, e deixar a “boiada passar”, em meio a pandemia, não custa reiterar.

Não surpreende esse alinhamento perverso com a agenda federal. No campo ambiental, há parcimônia amistosa e de íntima proximidade do atual governador do Paraná com o seu presidente preferido. Em parceria sórdida, as agendas voltadas a proteção do patrimônio natural estão sendo, dia a dia, jogadas no lixo, sob o comando de instâncias privadas interessadas tão somente no retorno econômico dos que infringem a lei, avançando e destruindo áreas naturais destinadas, justamente, a produzir água.  

Abrem-se espaços para perdão de crimes ambientais, multas não serão pagas e áreas destruídas ilegalmente não precisarão ser restauradas. A fiscalização é desmoralizada, sem estrutura e, vergonhosamente, intimidada a prática do “não fazer”. Órgãos ambientais asfixiados por falta de contingente técnico e intromissões indevidas a partir da própria direção destas instituições. Tudo em nome do direito ilimitado à propriedade, à liberdade que não respeita os direitos do próximo. Por fim, justificam tudo em função da “pujança econômica” do Paraná, lastreada pela produção de commodities e pela notória capacidade de destruir a natureza muito além dos limites.

De fato, nunca a gestão ambiental do Paraná esteve em situação tão precária, mesmo considerando um passado recente bastante lamentável. Perdeu-se a condição de respeito mínimo que impõe o cumprimento da legislação, havendo práticas de desmonte legal explícitas e truculentas. Ações que são implementadas de forma estratégica, derrubando a cada momento limitadores que protegem a sociedade e os proprietários rurais de situação que coloca em risco suas próprias atividades econômicas, comprometendo de forma determinante a qualidade de vida, em cenários rurais e urbanos, indistintamente.

Se o clima de libertinagem está explicitado na agenda ambiental do país, o clima de verdade não está deixando passar barato tantas agressões contra nós mesmos. A ignorância e a desfaçatez observadas têm seu preço. Recuperar a natureza leva muito mais tempo do que degradar e destruir. Estamos pagando a conta de nossa inconsequência e nossa incapacidade de eleger gestores públicos qualificados. Somos uma sociedade que não respeita os limites da natureza, como se pudéssemos prescindir dela. 

Se houver interesse de identificar nomes, os ladrões da água e da vida podem ser identificados facilmente. O cruzamento dos dados do desmatamento com as informações cadastrais dos imóveis está disponível. Além disso, muitos deles ocupam os postos mais altos de instâncias públicas, inclusive nos órgãos ambientais, criados para impedir este tipo de ocorrência tão devastadora como a que estamos vivendo hoje, agravada com a pandemia global da Covid-19. 

Sem uma reação da sociedade contra essa avalanche de malfeitos e desmandos que vêm ocorrendo no estado do Paraná, sem uma condição de liderança que imponha limites ao avanço de ações que nos deixam cada vez mais vulneráveis, não haverá outra alternativa, senão, engolir em seco o fato de sermos coniventes com todos esses arroubos de ilegalidade e desprezo pelo ser humano que estão correndo a olhos vistos. Até porque, tudo indica, não haverá mais água para engolir essa pílula.

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