Por que a extinção da Secretaria Estadual do Meio Ambiente no Paraná é algo que precisa ser questionado?

Ao contrário do que exalta a propaganda do governo do PR, o estado regrediu nos últimos quatro anos. Ele segue um modelo característico de gestões passadas, que nunca assumiram verdadeiramente um Paraná que respeita o ambiente e preza pela garantia da manutenção de seu patrimônio natural como parte indissociável do desenvolvimento social e econômico

A Rede das Organizações Não Governamentais da Mata Atlântica (RMA) é uma entidade que congrega mais de uma centena de ONGs associadas que atuam nos 17 estados do bioma Mata Atlântica. Neste sentido, a RMA monitora as políticas públicas de cada um desses estados para a manutenção, conservação e a recuperação do bioma. Com esse artigo, destacamos a situação do estado do Paraná, como quadro recorrente às demais unidades federativas, quando se trata da ação dos governos regionais no desaparelhamento da estrutura de órgãos públicos e da falta de prioridade na construção e implantação de políticas públicas direcionadas à conservação do patrimônio natural dos remanescentes deste devastado, mas ainda rico bioma, em termos de biodiversidade e de manutenção da qualidade dos recursos hídricos.

Supostamente dentro de uma estratégia amparada por profissionais da Fundação Dom Cabral, o atual governo do Paraná anunciou profundas alterações estruturais, em especial reduzindo o número de secretarias numa perspectiva de estado enxuto e redução de despesas. De fato essa “consultoria externa” realizada antes do início do mandato nunca foi esclarecida. Quanto custou? Foi paga por recursos de que origem? As diretrizes estabelecidas por esse estudo foram efetivamente aceitas e implementadas? A Fundação Cabral referenda, em última instância, o resultado da reforma administrativa executada?

Suportada por orientação especializada externa ou não, o que ocorreu foi mesmo uma reforma profunda, como extinção de algumas secretarias e mudanças bastante radicais em outras. Um dos casos mais surpreendentes foi a mudança na área ambiental, com a extinção da Sema (Secretaria Estadual do Meio Ambiente) e a criação da “SEDEST” (Secretaria do Desenvolvimento Sustentável e do Turismo).

A retórica utilizada no início de 2019 se baseou no discurso bastante presente nos dias de hoje, no qual é fundamental equilibrar os temas ambientais com aqueles voltados ao desenvolvimento socioeconômico. Portanto, uma secretaria apenas do “Meio Ambiente” refletiria uma posição equivocada de parte do poder público estadual, como se estivesse tendendo apenas para o lado ambiental, preterindo, assim, os outros interesses da sociedade.

Numa avaliação superficial o discurso até parece fazer algum sentido para muitas pessoas. Mas são necessárias algumas ponderações para permitir uma melhor compreensão do que representou essa mudança: em primeiro lugar governos sempre tiveram estruturas muito robustas no que se refere a temas voltados ao desenvolvimento econômico, muitíssimo mais influentes politicamente e com orçamentos vultuosos – nada que se compare com as condições extremamente limitantes de atuação dos órgãos ambientais em geral.

Ratinho Junior e o Secretário do Desenvolvimento Sustentável e do Turismo, Marcio Nunes. Foto : Jonathan Campos / AEN

Historicamente os órgãos ambientais carecem de condições mínimas de trabalho, sofrem pela falta de contratação (no caso do Paraná excede os 30 anos de janela sem novos funcionários), recebem pressões políticas intensas, gerando dificuldades de transparência e isenção em suas atividades, notadamente nos campos do licenciamento ambiental e da fiscalização.

A outra circunstância geradora de dúvidas nessa alteração de função da antiga Sema, efetivada no início da atual gestão, é a evidente condição de conflito de interesses com a criação da SEDEST. Como é possível que, ao mesmo tempo, uma mesma secretaria de Estado tenha que atuar em processo de licenciamento, demandando de uma condição plena de isenção, e agregue a condição de instância fomentadora de investimentos que, em última instância, demandam de licenciamentos ambientais.

Desde os primeiros meses da atual gestão uma promessa principal, feita em campanha, estava bastante evidenciada como uma meta a ser cumprida a qualquer custo: a busca por agilização dos processos de licenciamento ambiental. Segundo setores da iniciativa privada, há enorme demora e dificuldades praticamente insuperáveis em alguns casos, na busca por licenciamentos. Um problema que é reconhecido por todos e que, dentro de parâmetros adequados, certamente demanda melhorias.

No entanto, agilizar processos de licenciamento não significa gerar facilitações indevidas, atropelar processos ou buscar mudanças na legislação para driblar demandas consideradas necessárias para que processos possam ser avaliados com responsabilidade e consistência. Um movimento evidente, talvez dentro das recomendações esperadas da própria Fundação Dom Cabral, antes do início da gestão atual, seria o fortalecimento e adequação estrutural dos quadros de profissionais responsáveis pela ́área de licenciamento, a garantia de transparência e o respeito aos protocolos legais demandados, e a autonomia para que o deferimento ou a recusa de pleitos seja efetuada sem as tradicionais pressões exercidas de diferentes maneiras sobre os órgãos ambientais.

Outra característica observada nesses quase quatro anos foi o uso da comunicação para estabelecer premissas que não correspondem com a realidade, como por exemplo, um conjunto de propagandas voltadas ao tema da conservação do patrimônio natural, intensamente contaminado por superficialidades e inconsistências sérias. Além de preterido, representando uma demanda sem qualquer importância ou prioridade, o esforço voltado à conservação da natureza no Paraná seguiu uma retórica de pouca aderência, apresentando resultados inexpressivos e voltados a gerar uma imagem positiva superficial.

As eleições de 2022 se aproximam, a busca pela conquista de votos vem se utilizando das posições políticas estabelecidas no cenário acima descrito. As eleições do final deste ano nos leva a reflexão de que políticas públicas não podem se restringir ao atendimento de um restrito contingente de nossa população. Muito especificamente os grupos setoriais que tem na área ambiental algum tipo de entrave ou limitação para uma “atuação plena”. No entanto, há limites na implantação de certos empreendimentos que precisam ser respeitados. Sendo que, alguns deles, se enquadram numa condição que não corresponde nem com a legalidade nem com o interesse maior da sociedade. E quando aprovados indevidamente, sofremos da coletivização dos prejuízos, na figura de impactos ambientais, sociais e econômicos que atingem a toda a sociedade.

Serra do Mar: Mata Atlântica sob ameaça. Foto: Arnaldo Alves/ANPr

Cabe esclarecer, por fim, que a enorme maioria da população paranaense perde muito com a falta de uma genuína e ativa Secretaria de Estado do Meio Ambiente, transformada propositalmente numa caricatura malversada que desvia a atenção das prioridades devidas. O mundo dos negócios modernos segue na direção de exigências cada vez mais fortes para que governos e corporações assumam uma atitude adequada frente aos temas relacionados com o meio ambiente. Que o que está sendo oferecido pela atual gestão atualmente para a população paranaense, na forma de política ambiental, carece profundamente de bases conceituais qualificadas, de garantias de isenção e transparência, de princípios técnicos que atendam prioridades, da imposição da existência de orçamentos e estruturas a altura das demandas existentes para atendimento de suas responsabilidades.

Ao contrário do que exalta a propaganda governamental, andamos intensamente para trás nos últimos quatro anos. Seguindo um modelo característico de gestões passadas, que nunca assumiram verdadeiramente um Paraná que respeita o ambiente e preza pela garantia da manutenção de seu patrimônio natural como parte indissociável de seu desenvolvimento social e econômico. O povo do Paraná merece uma gestão responsável no campo do meio ambiente, coisa que nunca ocorreu ao longo da história. E que piorou muito mais recentemente. O que nos aguarda para os próximos anos? Quando voltará a Secretaria Estadual do Meio Ambiente – Sema? Questionamos se o próximo governador estará efetivamente disposto a fazer a diferença para melhor nessa área de atuação tão estratégica e fundamental para a qualidade de vida dos paranaenses?

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5 comentários em “Por que a extinção da Secretaria Estadual do Meio Ambiente no Paraná é algo que precisa ser questionado?”

  1. Pois é… uma equipe pensante, habilitada e capacitada é essencial para o licenciamento ambiental… tanto do lado do órgão de controle como do empreendedor….

    Um concurso meia boca, que não preenche nem o mínimo de uma equipe multidisciplinar em cada regional (biólogo, engenheiros, advogados etc), e um programa de residentes recém formados, sem experiência e jogo de cintura, incentivam a mediocridade de projetos ambientais…
    …E a continuidade da farra de estudos ctrl c /ctrl v de baixíssima qualidade, feitos por profissionais que lutam pela sobrevivência em um mercado que não valoriza estudos multidisciplinares e qualificados, da fila sem fim de pedidos para análise e de técnicos sendo pressionados para aprovar rapidamente empreendimentos a gosto dos seus superiores e não dos princípios éticos, boas práticas profissionais e normativas técnicas.

  2. Temistocles Santos vital

    O SindiSeab – Sindicato dos Servidores da Secretaria da Agricultura, Meio Ambiente, Fundepar e Afins enviou um documento que relata as dificuldades enfrentadas pelos servidores do IAT – Instituto Água e Terra, no desempenho de suas funções bem como as dificuldades do IAT em cumprir sua missão ambiental.

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