As plataformas digitais e a privatização da educação pública no Paraná

Sistemas usados em sala de aula, produzidos por empresas privadas, precisam ser debatidos no Paraná

Desde que assumiu o governo em 2019, Ratinho Júnior (PSD) iniciou um processo de privatização da direção e da execução da educação pública, com implicações para as dimensões da oferta, gestão e currículo (ADRIÃO, 2018). Em comparação aos outros estados da região Sul, o Paraná foi o último a aderir a esse processo, porém, quando passa a assumir essa orientação política, dá início à implementação de uma agenda privatizante sem precedentes, associando-se ao setor privado, tanto nacional quanto internacional, e tendo como principal estratégia a adoção das plataformas digitais.

Entendemos que esse contexto é parte de uma conjuntura mais ampla, associada ao desenvolvimento do capitalismo digital, no qual os conglomerados educacionais globais, ao desenvolverem componentes educacionais tecnológicos e fomentarem a digitalização, são instrumentais do capitalismo neste período particular (MOROZOV, 2022).

A plataformização da educação pressupõe soluções que são elaboradas fora do espaço da escola e não dialogam com as necessidades da educação pública, servindo aos interesses do mercado global. A alternativa às ditas “soluções tecnológicas” é a permanente busca pelo diálogo, mediado não pelo mercado, mas pelos sujeitos que integram a comunidade escolar, analisando, refletindo, avaliando a sua própria prática social.

A adoção das plataformas digitais pela rede estadual materializa um projeto de educação para satisfazer aos interesses privados, e não os da coletividade, da sociedade. Quando afirmamos isso, significa que uma organização externa à escola ficará responsável pelo direcionamento das questões relativas à sua gestão, currículo e avaliação, para citar algumas implicações.

A rotina escolar, seus processos e a gestão ficarão submetidos à lógica privada, que vai na contramão da autonomia pedagógica, financeira e administrativa da escola, pilar da gestão democrática. Esse panorama preocupante é a expressão de uma realidade que vem se delineando em vários estados da federação, como se os desafios da educação

pudessem ser superados com uma simples solução/tecnologia/software/aplicativo. O principal efeito é a submissão da escola pública aos interesses de setores privados, pois, com o discurso da melhoria da qualidade da educação e da gestão escolar por meio do aprofundamento da relação do poder público com instituições privadas, acaba-se transferindo para as escolas a lógica de mercado do setor privado.

Nós, docentes da Universidade Federal do Paraná, temos o compromisso de alertar a sociedade e convocar todos e todas a resistir à incidência das plataformas na Educação Básica, tendência que faz da esfera pública um espaço privilegiado de proliferação dos interesses privados. É este o nosso papel: não deixar que nos tomem o que lutamos para conquistar.

Os retrocessos educacionais são de toda a ordem. Primeiro, devemos salientar que a contratação de plataformas digitais pelo poder público foi definida sem diálogo com o sindicato, com os educadores e com a comunidade escolar, sendo firmado somente entre o governo e as instituições privadas. Outro aspecto a ressaltar é que a política de plataformização digital já está influenciando os municípios na contratação dessas empresas, ampliando, com isso, a atuação privada nas unidades públicas de ensino.

Não podemos nos furtar de mencionar os aspectos do financiamento da educação, pois o recurso público deve ir para a escola pública, e não para entidades privadas. O Paraná continuará sendo o principal financiador, mas parte desses recursos serão direcionados para instituições privadas junto com a possibilidade de influenciarem na direção e na execução da educação pública. Os riscos para a educação e a escola pública já são uma realidade, não apenas uma possibilidade; são concretos e estão em curso desde 2018, com a eleição do governador Ratinho Júnior. Como exemplo, podemos citar alguns contratos com empresas globais:

ObjetoFornecedorData inicialData finalValor contratado
SLLL Plataforma AluraAOVS Sistemas de Informática SA03/02/202302/02/2025R$ 10.414.527,91
Plataforma Educacional Gamificada de MatemáticaMatific Brasil Apoio Educacional Ltda.24/01/202323/01/2025R$ 10.368.000,00
Google ClassroomLicenças Google Workspace for Education Teaching and Learning Upgrade07/04/202305/08/2023R$ 999.950,40
Plataforma de Leitura OdiloPrimasoft Informática Ltda.21/11/202221/11/2024R$ 7.959.984,00
Gerenciamento e transmissão de conteúdo, comunicação entre professores e alunos pelo aplicativoHF Tecnologia Ltda. – ME06/09/202205/09/2023R$ 1.352.208,00
Plataforma Educacional Gamificada de matemáticaMATIFIC Brasil Apoio Educacional Ltda.13/07/202112/07/2023R$ 7.488.000,00
Plataforma Educacional de Língua InglesaEF Educação Especializada e Viagens ao Exterior Ltda.28/06/202127/06/2023R$ 15.351.168,00
CELEPARCompanhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná29/01/202128/01/2024R$ 30.522.311,00
Power BI MicrosoftSolo Network Brasil SA28/01/202127/01/2023R$ 1.143.340

Fonte: ISRAEL (2023)

Recentemente, segundo informações obtidas do site do Estado do Paraná, a Celepar (Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná) firmou um protocolo de intenções estratégico com a startup RIIID, renomada empresa de tecnologia educacional sediada na Coreia do Sul. Essa colaboração tem como objetivo desenvolver “soluções inovadoras” para aprimorar a educação por meio do uso de tecnologia avançada e inteligência artificial.

As diretrizes da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED) têm servido aos interesses do empresariado nacional e internacional, com a compra de materiais, aulas prontas e apostilas que são vendidas para todo o Brasil e que não correspondem às necessidades dos estudantes. O governo do Paraná defende que o atendimento educacional passe a ser disputado como um bem de mercado, proporcionando lucro para empresários e instituições privadas. Isso nada tem a ver com a melhoria do

aproveitamento do IDEB. Dinheiro público para o setor privado não significa garantir a melhoria da educação, mas o lucro nas mãos de poucos.

A digitalização avança no acesso à informação, e os processos padronizados e replicáveis prejudicam o processo de construção de conhecimento elaborado, autônomo e criativo. A padronização promovida pelas plataformas acarreta prejuízos para a coletivização das decisões no ambiente escolar, uma vez que os valores que passam a se destacar são a individualização e a padronização dos processos educacionais, da gestão, da avaliação, do currículo e da formação docente.

Dentro do processo de digitalização, os sujeitos privados globais são protagonistas, pois passam a estabelecer as diretrizes e definir os parâmetros de eficiência e qualidade para serem incorporados à realidade das escolas públicas. Tal posicionamento hegemônico se manifesta pelo controle do capital, das ferramentas, dos produtos e da tecnologia, verdadeira força motriz da plataformização.

Mais uma vez, reafirmamos o compromisso dos docentes do Setor de Educação da UFPR na luta por uma educação pública, gratuita, laica e universal, pois entendemos que não é possível resolver os problemas educacionais apenas com a aplicação de uma plataforma digital, como se estivéssemos tratando de uma máquina que apresenta problemas na execução das suas funções e necessita de um técnico para retomar a produção. Não podemos admitir que a educação seja vista como uma linha de montagem, sem levar em consideração o processo, apenas o resultado final.

Referências

ADRIÃO, Theresa. Dimensões e formas da privatização da educação no Brasil: caracterização a partir de mapeamento de produções nacionais e internacionais. Currículo sem Fronteiras, v. 18, n. 1, p. 8-28, jan./abr. 2018.

ISRAEL, Carolina Batista. Plataformas educacionais: o ensino digital como insumo para o mercado de dados, 2023. Disponível em: appsindicato.org.br/wp-content/uploads/2023/07/plataformas-educacionais.pdf

MOROZOV, Eugeny. Crítica da razão tecnofeudal. New Left Review, v. 133, p. 89-126, 2022.

Sobre o/a autor/a

1 comentário em “As plataformas digitais e a privatização da educação pública no Paraná”

  1. Esse é o governo Ratinho, um dos piores que este estado já teve. Já tivemos governadores mais preocupados com o bem estar da população, falo do Bento Munhoz da Rocha, Ney Braga, Jayme Caneta, José Richa.
    Ratinho é uma tragédia para as futuras gerações. Tanto quanto foi e está sendo o bolsonarismo.

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