1º de Maio – Dia de Luta por condições e organização do trabalho saudáveis

A última década condenou a maior parte dos brasileiros a um progressivo empobrecimento

Desde as famosas marchas de julho de 2013, passando pela destruição democrática e econômica promovidas pela operação Lava-Jato, pelo golpe de 2016, até o governo Bolsonaro, o que se observou foi um processo de retomada neoliberal autoritário que condenou a maior parte da população brasileira a um progressivo empobrecimento e vulnerabilidade.

O país voltou ao mapa da fome e no que diz respeito ao mundo do trabalho a precarização laboral, a informalidade, o desemprego e a concentração de renda bateram recordes, ampliando a histórica desigualdade social, chaga que nos flagela e envergonha há séculos.

Não é de hoje que se sabe que quanto mais precário é o mercado de trabalho, maiores são os riscos à saúde física e mental de quem trabalha.

Sempre estiveram intimamente relacionadas às lutas operárias, nas mais variadas fases do capitalismo ocidental, e especificamente no capitalismo brasileiro, as reivindicações por melhores condições de trabalho, formas de organização saudáveis e promoção da saúde física e mental dos trabalhadores e trabalhadoras.

Quando os processos de luta punham em risco a produção e o próprio sistema de acumulação capitalista, ou quando a promoção da saúde era necessária à garantia de mão de obra disponível, normas de proteção aos trabalhadores emergiam como concessões do capital. Foi assim no estado de bem-estar social estadunidense e europeu do pós-guerra.

No Brasil do capitalismo tardio, normas de saúde e segurança do trabalho também se acumularam no curso do século XX e início do século XXI, sempre aos passos de marcha e contramarcha a depender dos interesses em conflito e das correlações de forças postas no seio da sociedade.

Com a retomada da racionalidade neoliberal que marcou a economia, a política e o Direito brasileiro nos últimos sete anos, os donos do capital conseguiram, ora pela via legislativa – veja-se, por exemplo, a chamada reforma trabalhista – ora pela via judicial – observe-se a jurisprudência do STF em matéria de Direitos Sociais, exemplificada na terceirização irrestrita e ilimitada – ora pela via do exercício do Poder Executivo – cite-se a revogação em massa das Normas Regulamentadoras do Trabalho no curso do governo Bolsonaro – levantar alguns dos limites civilizatórios impostos ao poder de explorar o trabalho alheio, e, com isso, precarizaram as historicamente degradadas condições de trabalho de importantes setores da economia nacional, destacadamente no setor primário e no setor terciário, em novas, e em não tão novas, formas de trabalho humano.

Outro fator relevante e que merece ser denunciado é o desmonte da rede de fiscalização do trabalho no Brasil. De acordo com o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho – SINAIT, há, em razão da deliberada ação do governo Bolsonaro, 50% dos cargos de auditores fiscais do trabalho vagos atualmente. É o maior déficit de servidores dos últimos trinta anos e, por óbvio, isso impacta a capacidade de fiscalização do Estado, garantindo aos que delinquem a certeza da impunidade.
Consequência desse processo de desregulamentação e precarização laboral foi o aumento de casos de acidentes de trabalho, doenças profissionais, doenças do trabalho, mortes e incapacitação de trabalhadoras e trabalhadores brasileiros.

De acordo com os dados do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, iniciativa de entidades governamentais e internacionais relacionadas ao mundo laboral, houve 612,9 mil comunicações de acidentes de trabalho (CAT) no ano de 2022, um aumento de aproximadamente 7,2% em relação aos casos notificados em 2021. A subnotificação estimada no ano de 2022 foi de 18,9%, o que importa em aproximadamente 116 mil casos de acidentes de trabalho sem emissão de CAT e comunicação ao INSS. O número de acidentes fatais no último ano foi de 2.538 casos, segundo ano consecutivo de alta em relação ao número de óbitos registrado em 2020, em que houve notificação de 1.866 óbitos por infortúnios laborais.

Não por casualidade, mas por causalidade, a “passada de boiada” que houve em matéria de desregulamentação trabalhista, nas três esferas de poder, acarretaram um retrocesso secular em matéria de saúde dos trabalhadores e trabalhadoras que hoje voltaram a lutar, como acontece, por exemplo, com os trabalhadores de aplicativos, por jornadas de trabalho reduzidas, acesso a banheiros e condições de asseio e higiene, locais de repouso adequados, proteção previdenciária, direitos e avanços civilizatórios que alguns mais desavisados imaginavam consolidados depois da Constituição de 1988.

Além das lutas por condições físicas, químicas e biológicas adequadas de trabalho, que categorias inteiras levam a cabo – como os trabalhadores da saúde, ante a pandemia, e os trabalhadores da construção civil, vítimas históricas de acidentes típicos decorrentes de não concessão, exigência e fiscalização do uso de equipamentos de proteção individual (EPIs), por exemplo –, outros segmentos de trabalhadores também enfrentam métodos de gestão assediosos que acabam por lhes causar constante sofrimento, quando não adoecimento.

A era da gestão financeira, em que todos foram transformados em produtos dessa natureza, em que o sucesso e o fracasso são medidos pelos resultados financeiros – a repetição, perdoem-me os leitores, é propositada – submete parte dos trabalhadores e trabalhadoras a formas de trabalho intensas, em que é preciso fazer sempre mais, melhor, em menor prazo, dando conta de metas frequentemente inalcançáveis – cinicamente denominadas “desafiadoras” –, sob formas de controle sofisticados e instantâneos, que permitem o acompanhamento online da produção e a cobrança permanente da produtividade.

Tal intensificação desmedida do trabalho, desequilibra as condições ambientais, e, em casos graves, causa adoecimento mental, incapacidade e até morte. São muitos, neste milênio, os casos de suicídio intimamente relacionados ao trabalho.

Mas a despeito da publicidade e denúncia de alguns desses casos, na maioria das vezes, acobertados por não menos relevantes e requintados métodos de controle comportamentais que sequestram os corações e mentes de quem trabalha, sobretudo com o discurso sedutor da eterna busca pelo sucesso e qualidade total, empregadores conseguem perpetuar seus projetos de submissão de corpos e mentes dóceis ao trabalho e evitam que as vítimas reajam à violência a que são submetidas.

Neste primeiro de maio é preciso que os trabalhadores reflitam e retomem os processos de luta contra os projetos de poder, controle e gestão neoliberais postos em curso desde 2013, e, em relação à saúde, renovem as estratégias de resistência, reação e transformação de condições e organização do trabalho hostis e violentas, de maneira a exigir, na prática, o direito a ambientes laborais sadios e equilibrados.

Avanços não cairão do céu, nem serão fruto de generosas concessões capitalistas. O Estado, ainda que os ventos tenham mudado com a eleição de um governo democrático e popular, tampouco fará transformações relevantes em matéria de regulação do trabalho, se não houver pressão popular para tanto. As condições materiais e as correlações de força estabelecidas no seio da sociedade é que ditarão o ritmo das mudanças em matéria de dignidade, saúde e meio ambiente de trabalho. Dia primeiro de maio, portanto, é dia de luta.

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