A experiência de sofrer assédio, reagir e fazer a denúncia

Vítima conta sobre dificuldade em registrar boletim de ocorrência contra crime sexual em Curitiba

Era sábado de manhã quando a consultora Denise Campos precisou ir à farmácia. O estabelecimento era perto de sua casa, uma simples caminhada de cinco quadras, e pronto. Como a compra seria rápida, uma atividade corriqueira, Denise levou apenas o celular e deixou os documentos em casa. O que a consultora não esperava naquele dia, era ser submetida a uma via crucis policial para registrar um Boletim de Ocorrência. Quando voltava para casa, Denise foi assediada. 

Havia poucos carros na rua, e um rapaz estava no sinal com uma placa. Quando ela se preparava para atravessar a rua, o moço terminou a abordagem a um dos veículos e foi em sua direção, com uma das mãos no pênis. Ele começou a chamá-la com a mão livre. Quando a consultora olhou para o rapaz, ele cobriu a região pélvica com uma camiseta, e passou a se masturbar no meio da rua.

Denise ligou para a polícia, e teve que perseguir o agressor – que tentou fugir quando percebeu que ela falava com alguém ao telefone. Ela foi atrás dele e o encontrou conversando com um vigilante, para o qual pediu ajuda. Ele segurou o rapaz até a chegada dos policiais.

A dor de cabeça maior, no entanto, envolveu o próprio sistema de Justiça. Para dar continuidade à queixa, Denise precisava ir à delegacia: uma jornada que a consultora define como “o horror”. 

Importunação sexual ou ato obsceno?

Instituída em 2018, a lei 13.718 define o crime de importunação sexual como a prática de ato libidinoso contra alguém, de forma não consensual, com o objetivo de “satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”. A pena é de um a cinco anos de reclusão. Já, o crime de ato obsceno é definido pela ação que dá nome ao crime, mas “em lugar público, ou aberto ou exposto ao público” (artigo 233 do Código Penal). Para este crime, a pena é de três meses a um ano de detenção, ou multa.

Na prática, a distinção entre os dois crimes não é simples, ou óbvia. Em muitas situações, como no caso de Denise, a violência pode ser desmerecida caso não haja registro de uma ameaça direta ou mesmo de contato físico. “Onde na lei diz que ato libidinoso precisa encostar? Foi um inferno. […] Foi para mim, ele fez isso para mim, me agrediu, me ofendeu, me humilhou, me ameaçou”, diz. 

Para a advogada Mariana Paris, especialista em Direito das Mulheres, é preciso sensibilidade na hora de interpretar a violência sofrida para fazer a classificação de forma adequada. “Por isso é tão importante considerar a diferença entre esses dois crimes, e interpretar de uma forma sensível, levando em conta as dificuldades que uma mulher tem para denunciar um crime como esse”, afirma. 

Outra diferença é no registro do Boletim de Ocorrência. A importunação sexual é de responsabilidade da Delegacia da Mulher; o ato obsceno deve ser registrado na delegacia da Polícia Civil. Parte da dificuldade vivida por Denise foi, justamente, por conta dessas diferenças. A Polícia Civil recomendou que a queixa fosse feita na Delegacia da Mulher, a Delegacia da Mulher queria que o B.O. fosse registrado no Distrito Policial. 

A advogada explica que, ao fazer o registro do B.O. a tipificação é uma, mas ela pode ser alterada durante a investigação, ou mesmo posteriormente, já na denúncia. “A tipificação para o delegado é importante porque define se a pessoa vai presa em flagrante ou não.”

Foto: arquivo pessoal

Mariana avalia que o vai e vem entre delegacias é um problema comum, que desestimula as mulheres a fazerem o registro da violência. “Sempre indico que a mulher faça uma denúncia na Corregedoria da polícia, explicando tudo que aconteceu e que não conseguiu ser atendida por conta desse vai e vem”, aconselha. 

É preciso agir

“Vi que era para mim e fiquei chocada”, diz Denise ao destacar que, por mais que tais cenas sejam comuns quando se é mulher, elas são sempre chocantes. “A primeira vez que um homem mostrou o órgão genital para mim na rua, eu tinha nove anos e estava indo para escola”, conta. 

A segunda vez que Denise passou por situação parecida foi aos 12 anos. Aos 15, foi agarrada por um estranho e arrastada para um terreno baldio. Outros assédios, como olhares intimidadores e abordagens sexuais no meio da rua, são inúmeros e se perdem ao longo da história de Denise, e de outras mulheres. Foi a raiva que fez com que a consultora insistisse na denúncia. “Quando esse cara fez isso no sábado, de se masturbar no meio da rua, olhando para mim, vindo na minha direção, eu fiquei com muita raiva.” 

Apesar da atitude, ela não aconselha reagir se não houver força física envolvida. “É um risco”, diz. No entanto, Denise faz uma distinção entre reagir ao agressor e não fazer nada sobre o caso. “A gente tem que falar, encarar, tem que expor. Tem que fazer com que eles passem vergonha.”

Outro ponto é encarar as críticas que vêm com a exposição. “Sempre vão perguntar o porquê você foi agredida, se você deu motivo para isso. A gente tem que ignorar isso também.”

A dificuldade em registrar queixa contra crimes sexuais em Curitiba já foi publicada pelo Plural, quando um caso semelhante foi registrado no Ligeirão da Capital.

Denúncias

Mulheres que sofrerem violência doméstica (lesão corporal ou agressões mais “leves”, como empurrões, puxões de cabelo e afins), ou ameaça, injúria, calúnia, difamação podem fazer a denúncia destes crimes pela internet. Casos de violência sexual e tentativa de feminicídio devem ser registradas pessoalmente. Em Curitiba, os casos de importunação sexual dentro do transporte coletivo podem ser denunciados pelo 153, e contam com apoio da Guarda Municipal.

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