PM estava tentando fazer “reintegração pelo medo” na ocupação Nova Esperança, diz Coped

Conselho e comunidade mobilizaram as autoridades para garantir direitos básicos aos moradores

Três dias após o assassinato de Igor Cristiano da Silva, de 24 anos, durante uma operação da Polícia Militar (PM) na ocupação Nova Esperança, em Campo Magro, a vizinhança organizou um protesto marcado pela dor – porém pacífico -, contra a violência policial que assola a comunidade. A concentração ficou agendada para o início da tarde, mas antes o Conselho Permanente de Direitos Humanos do Paraná (Coped) fez uma assembleia com os moradores, a fim de ouvir suas queixas e debater encaminhamentos práticos. 

Os manifestantes em ação. Foto: @malikfotografia

“O ponto fundamental dos relatos foi que, de fato, tratou-se de uma execução”, comenta Marcel Jeronymo, presidente em exercício do Coped. “Todos nós ouvimos isso de uma testemunha-chave, mas também de outras pessoas que estavam próximas do local. A polícia chegou a rendê-lo, e após rendido, deu um tiro na perna e outro no peito dele. Ele vomitava sangue e ainda assim era perguntado de coisas. A mãe dele, que mora a quilômetros de distância, chegou na comunidade e ele ainda chegou a gritar ‘mãããe’, por trás de um cordão de isolamento, quando depois teria ocorrido o tiro na boca do garoto.”

A namorada de Igor estava grávida e foi levada pela PM naquela noite. Ela só voltou para a ocupação Nova Esperança no dia seguinte, e indicou torturas. O Coped preferiu manter os pormenores da versão da vítima em sigilo para não comprometer as investigações. 

De modo geral, Marcel saiu do encontro com a convicção de que seria necessário buscar um posicionamento firme do estado, de modo a garantir uma salvaguarda para as famílias. “O direito de ir e vir e de moradia precisam ser garantidos – pelo menos até o término da decisão do Supremo Tribunal Federal, que determinou a não reintegração de posse no país todo até março de 2022.”

Após o término da plenária, o grupo foi surpreendido por um helicóptero que sobrevoava o local, dando rasantes. “Se a Polícia Militar não se importa em amedrontar a população nem mesmo na presença dos conselheiros, o Coped teme pelo que pode acontecer quando sair do local”, registrou a nota enviada pelo Conselho à reportagem.

“A operação nos assustou bastante, e soubemos que os moradores tiveram uma experiência semelhante no dia anterior. Foi um sobrevoo de intimidação”, fala Marcel. “O que a PM estava fazendo, pelo menos até ontem, era uma reintegração indireta, forçando as pessoas a saírem da ocupação pelo medo. É um absurdo porque não há razão para essa operação na comunidade, lembrando muito o 29 de abril.”

Tarde de negociações

Às 13h, o Coped acompanhou a manifestação do Movimento Popular por Moradia até o Centro Cívico, de modo a garantir a livre manifestação da comunidade. A caminhada correu bem.

Manifestantes no MON. Foto: @malikfotografia

Um pouco mais tarde, o Conselho conseguiu, por intermédio do deputado estadual Goura Nataraj (PDT), uma agenda com o procurador de Justiça Leonir Batisti, coordenador estadual do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Paraná (MPPR). “Fizemos o devido encaminhamento da comunidade, para que pudesse ser mantida uma narrativa que compreendesse a realidade dos fatos, e não apenas a da PM”, sintetiza Marcel.

Ainda no MPPR, eles falaram com o gabinete do procurador geral de justiça. “O doutor Gilberto Giacoia estava em viagem, mas o subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Jurídicos Mauro Sergio Rocha nos atendeu”, afirma o presidente do Coped. Na ocasião, estiveram presentes os mandatos de Renato Freitas e da professora Josete, ambos vereadores do PT, além de Luís Rosa, representando a Comissão de Direitos Humanos e da Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (Alep), Maria Isabel Correa, vice- presidenta do Conselho Estadual da Mulher e representantes da Nova Esperança. 

Durante o encontro, as autoridades ligaram para o secretário de Segurança Pública e para o comandante da PM. “Secretário e comandante disseram que o governador do estado determinou que a polícia se mantenha em prontidão para preservar a ordem junto à comunidade, e diante das manifestações, eles prometeram respeitar a Nova Esperança durante todo o fim de semana.” Na próxima terça-feira, às 14h, o Coped tem agenda com o coronel Rômulo Marinho.

Reunião com o MPPR. Foto: @malikfotografia

Trégua

Marcel diz que o saldo dos encontros foi positivo. “Saímos esperançosos, embora receosos. A gente sabe que o estado policialesco que hoje temos no país não nos permite descansar, então nos manteremos vigilantes”, avisa. “Um tempo atrás, tivemos uma chacina do Parolin e um promotor de justiça pediu a absolvição dos policiais envolvidos. Hoje eles estão soltos, inocentados. Em grau de recurso, mas absolvidos na vara do Tribunal do Júri. Isso não pode acontecer nesse caso e nos demais casos dos fajutos confrontos policiais.”

Reunião com o Gaeco. Foto: @malikfotografia

“A gente teve uma cena muito interessante no final do dia”, relembra o presidente do Coped. “Após o protesto e intervenção dos conselhos e mandatos junto às autoridades, onde deixamos claro que a comunidade não tem bandido, a mesma PM que os amedrontou, escoltou os manifestantes. As pessoas foram pacificamente protestar e puderam voltar para suas casas com segurança.”

Sobre a ação, a PM encaminhou à reportagem a nota abaixo.

De acordo com as informações do Boletim de Ocorrência, uma equipe da Rondas Ostensivas de Natureza Especial (RONE) recebeu a informação, através do setor de inteligência do BPChoque, que no endereço havia um homem com armas de fogo e que, rotineiramente, ameaçava moradores da região. Os policiais militares chegaram ao local, por volta das 22h40 de terça-feira (30/11), e o homem, ao perceber a presença policial, teria ameaçado a equipe dizendo que atiraria caso se aproximasse.

Ainda de acordo com o Boletim, neste momento, o homem teria feito um disparo de arma de fogo contra a equipe policial. Diante disso, os policiais militares entraram no imóvel e o suspeito atirou novamente, mas a equipe revidou e ele acabou atingido. O Siate foi acionado para prestar o devido atendimento médico, que constatou o óbito no local.

Os policiais militares ainda relataram no Boletim de Ocorrência que havia uma adolescente dentro da casa, a qual foi encaminhada como testemunha dos fatos. Ao todo, foram apreendidos pela PM uma pistola, de calibre .380, munições, três pinos de cocaína, R$ 2.469,00 em dinheiro, uma máquina de contar dinheiro e duas balaclavas em lã na cor preta.

Ainda segundo o Boletim de Ocorrência, durante o isolamento do local, pessoas tentaram furar o isolamento, atirando pedras e outros objetos contra as equipes. Diante dos fatos, foi necessária a utilização de meios não letais para conter a população.

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3 comentários em “PM estava tentando fazer “reintegração pelo medo” na ocupação Nova Esperança, diz Coped”

  1. Agradecemos a matéria importante que vcs fizeram sobre essa comunidade que vem lutando por seus direitos à moradia e a poder ter uma vida digna.

  2. “ai, a pm escoltou os moradores” – com um conselheiro molenga e concilicador desses, a Ocupação tá roubada. “Pm de prontidão” significa que eles continuarão assediando a comunidade. Ratinho é um fascista; e esse conselheiro de direitos humanos é um molenga.

  3. Fatos não batem, como que um traficante começa a noite com 3 pinos? Se o cara fosse enfrentar a polícia sairia na rua, foi morto dentro da casa dele, sem ordem judicial , PM não falo nada das munições…

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