Dia da Consciência Negra: pra quem serve?

Muitas pessoas discutem a “razão" de existir um dia da consciência negra e alguns já chegaram mesmo a propor a criação de um dia da “consciência branca”

A consciência está associada à percepção, ao pensamento e à memória. É o conteúdo da experiência. Por isso é comum dizermos: “tenho consciência do que fiz”. Isto é, sei que fiz algo, sei da extensão da ação que resultou em algo e das consequências desse algo. A consciência é uma experiência subjetiva e qualitativa do mundo e da nossa vivência no mundo. Temos consciência de nós, dos outros, das coisas e das relações que engendramos ou das quais somos envolvidos pela ação dos outros. No campo penal, a consciência é um componente fundamental para se aferir a responsabilidade, isto é, a capacidade de responder por algo que fazemos ou por algo que deveríamos ter feito.

Mas a consciência não é algo que seja dado sem qualquer esforço. Ao contrário, exige certa capacidade cognitiva para processar, armazenar e comunicar essa experiência para si mesmo ou para os outros. Muitas pessoas parecem não ter a capacidade de desenvolver consciência sobre seus atos ou sobre os atos que percebem no mundo. Ocorre algo, uma injúria racial, por exemplo, e a pessoa não é capaz de percebê-la ou, se a percebe, não é capaz de identificá-la como um ato reprovável, pois lhe faltam os elementos necessários para essa tradução reflexiva que só é possível como uma experiência subjetiva, única e insubstituível. Isto é , a consciência de algo – no seu sentido reflexivo – é um processo que exige um certo treinamento social e cultural para ser ativada de maneira adequada em um ambiente coletivo.

Por isso é muito importante que existam marcadores capazes de estimular a percepção dos indivíduos em relação a fatos reprováveis da vida em sociedade, como forma de contribuir para a formação de uma consciência mais rica desses fatos. Desde pequenos, por exemplo, ensinamos nossos filhos de que não é correto mentir, porque isso tornaria a vida em comum impossível. Da mesma forma, não devemos ser violentos com os outros, procurando resolver nossas diferenças com diálogo e paciência.

O objetivo principal desses marcadores é contornar nossos instintos , ou seja, os comandos inconscientes que orientam nosso cérebro, cujo único propósito é garantir nossa sobrevivência. Sobre vários aspectos, nosso cérebro crê que ainda estamos em uma savana e que , se pensarmos muito, morreremos. Por isso ele age antes que a gente pense, e tudo o que dificulta nossa jornada, tudo que pareça uma ameaça à nossa existência, deve ser evitado ou eliminado. Nossa consciência tem, porém, a capacidade de refrear os comandos , evitando que eles se concretizem no mundo. Mas, para isso, precisamos desenvolver essa consciência expansiva e qualitativa.

Um dos marcadores importantes de “treinamento” da nossa consciência são as datas comemorativas. Comemorar quer dizer “lembrar juntos”. E isso não implica apenas lembranças boas, mas, principalmente, aquelas que se referem a fatos que não devem ser repetidos. No dia 27 de janeiro, comemora-se o dia do Holocausto. Às 10 da manhã, uma sirene toca nas ruas das cidades de Israel e todas as pessoas param as suas atividades e permanecem em silêncio para lembrar e reverenciar a memória das vítimas dessa barbárie.

No Brasil, no dia 20 de novembro, comemora-se o dia da consciência negra. No país todo, várias manifestações ocorrem lembrando o passado de violência e submissão forçada e de sofrimento dos escravizados, mas também do papel fundamental que os negros tiveram e têm na construção do nosso país, além de marcar posição em defesa de seus direitos e das compensações históricas que ainda precisam ser concretizadas.

Muitas pessoas discutem a “razão” de existir um dia da consciência negra e alguns já chegaram mesmo a propor a criação de um dia da “consciência branca”.

A consciência é uma das capacidades do cérebro humano. Os cientistas se perguntam por que retemos essas experiências e refletimos sobre elas. Uma possibilidade é a de que a consciência pode ter se desenvolvido como uma ferramenta para melhorar a comunicação e a cooperação entre indivíduos por meio da capacidade de entender e prever as ações e sentimentos dos outros.
Daí fazer sentido quando dizemos que “muitas pessoas não têm consciência do que estão dizendo” quando, por exemplo, questionam a importância de lembrar e de buscar reverter a dívida enorme que temos, todos nós, com o povo negro desse país.

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1 comentário em “Dia da Consciência Negra: pra quem serve?”

  1. Romeu Gomes de Miranda

    Daniel, Parabéns. Um belo texto, belíssima análise. Acrescento ainda a questão da auto estima rebaixada. A alguém que ainda questione o porquê de um dia da consciência negra, pergunto: vc tem tua auto estima rebaixada por ser branco? Os negros têm, e desde muito cedo. Então, o dia da consciência negra é um contraponto ao processo de desconstruçao da humanidade e da autoestima do negro brasileiro.

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