Sem pontos de oxigênio, UPAs improvisam e juntam pacientes com e sem Covid-19

Alta demanda pelo insumo faz pessoas sem a doença ficarem lado a lado com contaminados pelo vírus

Sem estrutura, insumos e profissionais suficientes para atender a população, as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) de Curitiba estão próximas do colapso. Nesta quarta-feira (10), o número de pacientes nas UPAs à espera de um leito em hospitais era de 173. O aumento de casos suspeitos e confirmados de Covid-19 na Capital fez crescer também a demanda por oxigênio hospitalar, insumo que- por problemas estruturais – já está faltando em algumas Unidades, como Pinheirinho e Boa Vista.

Só neste mês de março, conforme mostrou com exclusividade o Plural, o consumo de oxigênio subiu 47% no Paraná. Isso porque, ainda que a maioria dos pacientes que precisam de O2 estejam com Covid, o insumo também é usado para tratar outras doenças, como crises respiratórias.

O problema é que, como explica Patrícia da Rosa Mendonça, diretora do Sindicato dos Servidores Municipais de Enfermagem de Curitiba (Sismec), as UPAs não têm estrutura para atendimento em massa. “Elas não foram projetadas para serem hospitais, elas foram feitas para serem transitórias”, afirma.

Patrícia relata que a procura por atendimento nas UPAs, tanto de pessoas com Covid quanto de pessoas precisando de outras assistências, aumentou mais de 300% nas últimas semanas. “Não é um problema pontual, uma situação que aconteceu em uma UPA, são em todas.”

Nesta segunda-feira (8), as UPAs da cidade registraram 125 pessoas na fila esperando por leitos de Covid. Segundo a diretora do Sismec, “pelo menos 80% dos [pacientes com Covid] que procuram e precisam de internamento vão fazer uso do oxigênio”. Por conta da alta demanda, as Unidades do Pinheirinho e do Boa Vista já começaram a sofrer com a falta de oxigênio e outros insumos.

Problema de instalação

A arquitetura original das UPAs previa apenas um ponto de oxigênio por leito. Utilizando um aparato em forma de Y, cada ponto consegue atender dois pacientes. No entanto, para fazer isso, é preciso desrespeitar o distanciamento físico mínimo estipulado para conter a disseminação do coronavírus, que é de no mínimo 1,5 metro. 

Distanciamento entre pacientes não permite atendimentos de emergência. “Eles podem ter piora no quadro a qualquer momento e precisar de reanimação e intubação. Para isso são necessários, no mínimo, quatro profissionais,” afirma a diretora do Sindicato. Foto: Sismec

“Falta instalação. Devido ao aumento da demanda, foram instaladas mais tubulações para poder acoplar o oxigênio nas paredes da UPA, mas ainda é insuficiente”, conta um(a) enfermeiro(a) da Unidade do Cajuru, que prefere não se identificar.

O profissional explica que são instaladas na parede as tubulações do vácuo, ar comprimido e oxigênio, um do lado do outro. Porém, nem todas as salas têm esses pontos. “Agora com a pandemia, a maior parte dos pacientes precisa de oxigênio. Eles já chegam saturando menos de 95% [o percentual normal da concentração de oxigênio no sangue fica entre 95% e 99%]. Os pontos que tem na UPA não estão dando conta.”

Quando acabam os pontos, o enfermeiro conta que é preciso improvisar e trazer os cilindros de oxigênio para a sala. Em cada cilindro é possível acoplar três pacientes. 

Um mesmo cilindro improvisado serve a três pessoas. Foto: Sismec

“Numa sala que cabiam quatro poltronas a gente coloca o dobro. Não conseguimos manter o distanciamento, e um paciente que veio por conta de um resfriado corre um risco altíssimo de sair da UPA com Covid.”

“É um ambiente muito estressante. Tudo é precário. Estamos tendo que absorver uma demanda além da nossa capacidade. Não conseguimos dar a assistência que a gente gostaria para o paciente e isso pode ter consequências mais graves; podemos acabar cometendo um erro profissional”, admite a funcionária.

Além da escassez de instalações, que gera salas superlotadas, a falta de espaço físico para realizar os atendimentos faz com que pessoas contaminadas com o vírus fiquem à espera nos mesmos ambientes que pacientes sem a doença.

Crianças aguardam no mesmo quarto que pacientes com Covid na UPA Pinheirinho. Foto: Sismec

Campo Comprido

Foi o que aconteceu com Natália Alves Ferreira de Lara, de 76 anos, internada neste domingo (7) na UPA do Campo Comprido. Edson, um dos sete filhos de dona Natália, conta que a mãe sofre de bronquite crônica e arritmia e que, por isso, quando ela começou a passar mal, a família logo a levou para ser atendida na Unidade mais próxima.

“Se a gente soubesse que ia dar todo esse problema, a gente não teria levado ela ali. Pensamos que seria rápido, ela só iria tomar oxigênio e já ia voltar embora. Mas já faz quatro dias”, relata o filho.

Mesmo tendo testado negativo três vezes para o vírus, dona Natália está internada na ala Covid porque precisa do oxigênio que está instalado no setor. 

Edson relata que a mãe só poderá ser liberada uma vez que o resultado do quarto teste sair, confirmando que ela não foi contaminada. Temendo que ela se contamine na própria UPA, a família Lara segue tentando colocá-la em outro lugar. 

Sítio Cercado

A situação se repete em outras Unidades da Capital. Uma servidora da UPA Sítio Cercado relata que a qualidade do atendimento caiu muito, visto que os profissionais estão sobrecarregados. “A gente tinha 39 pacientes, a maioria positivos, misturados com outros pacientes. Não tem saída de oxigênio pra todos os que precisam. Não tem suporte de soro, a gente cola o soro com esparadrapo ou amarra com luva na janela. Não tem distanciamento necessário de um paciente pro outro, todo mundo amontoado. Os pacientes são recolhidos e jogados dentro da UPA.”

De acordo com o Sindicato dos Servidores Municipais de Curitiba (Sismuc), não é de hoje que a UPA do Sitio Cercado apresenta necessidade de mais trabalhadores contratados na linha de frente. “Nesta terça-feira (9), foram atendidos 44 pacientes na Unidade só no eixo Covid, idealmente, de acordo com os servidores, a UPA deveria atender 20 pessoas entre internamento, emergência e observação. Ou seja, os trabalhadores da Unidade estão sendo obrigados a dar conta do dobro da capacidade que o local teria de atender.”

Segundo a entidade, com mais de 10 mil casos de infecção ativa em Curitiba, a UPA Sítio Cercado tem pessoas aguardando por um leito de internamento há uma semana. “Assim, mesmo sem espaço físico e com poucos trabalhadores, a UPA precisa atender pacientes com suspeita de coronavírus e outros casos clínicos que necessitam de internamento, já que não há leitos hospitalares para transferência de pacientes.”

Pinheirinho

Uma servidora da UPA Pinheirinho afirma que o principal problema da Unidade é a falta de pontos de oxigênio. “Eu vi várias vezes o pessoal que estava trabalhando na ala Covid arrastando cilindros enormes de oxigênio, correndo risco de acidente grave, por que não conseguiam vencer o peso do cilindro.”

Pacientes dividem um ponto de oxigênio na UPA Pinheirinho. Foto: Sismec

Segundo ela, todas as UPAs possuem tanques de oxigênios. Quando começa a diminuir o estoque do insumo em uma quantidade que possa comprometer o fornecimento de oxigênio aos pacientes, o pedido de reposição é feito automaticamente à empresa.

“Esta noite trabalhei na sala de emergência. Não tínhamos leito e nem respirador. Tivemos uma parada cardíaca. Tivemos que atender na maca do consultório. Para isso, foi preciso tirar uma paciente para fora da emergência para poder entrar com a idosa na sala. Enquanto tentávamos arrastar a maca, duas colegas caíram. Depois de estabilizada a paciente, esperamos cerca de 40 minutos para conseguir um respirador”, relata.

Relatos do grupo de WhatsApp. Foto: Arquivo pessoal

No setor que atende os pacientes com Covid da Unidade do Pinheirinho, existem em torno de 20 pontos fixos de oxigênio. No entanto, como todos os que ficam na sala de observação Covid dependem do gás, as instalações não conseguem suprir a demanda. Assim, os casos leves estão sendo direcionados para casa. 

Questionada sobre o problema estrutural de oxigênio nas UPAs, e a distribuição do insumo, a Prefeitura de Curitiba não respondeu até o fechamento desta reportagem.

Números recordes

Nesta quarta-feira (10), a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) registrou 8.293 novos casos e 244 mortes. Este é o maior número de óbitos no Paraná desde o começo da pandemia.

Em Curitiba, no mesmo dia, foram registrados 1.274 novos casos e 22 mortes, o maior número desde dezembro. No total, são 3.116 óbitos e 11.308 casos ativos na cidade.

De acordo com dados da Sesa, desta quarta, 1.185 pessoas aguardam por um leito Covid no Estado.

Colaborou: Maria Cecília Zarpelon

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