Exclusivo: Em março, 394 pessoas morreram na fila de espera por leito para Covid-19 na Grande Curitiba

Desde o início da pandemia, 657 pacientes da RMC morreram enquanto aguardavam vaga; 60% desses óbitos ocorreram no mês passado

O Sistema Único de Saúde (SUS) registrou no mês de março 394 mortes de pacientes da Região Metropolitana de Curitiba que estavam na fila por um leito de internação para Covid-19. O número corresponde a uma morte a cada duas horas, aproximadamente.

A informação foi obtida pelo Plural nesta quarta-feira (7) junto à Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba. O órgão gerencia a central de regulação de leitos responsável por atender a capital e outras 28 cidades da região metropolitana.

Em toda a pandemia, desde março do ano passado, 657 pacientes da Grande Curitiba perderam a vida nessa condição [confira o gráfico].

As 394 mortes ocorridas em março deste ano representam cerca de 60% do total de óbitos. Em relação ao mês anterior, quando 37 pessoas morreram, o número de óbitos na fila de espera cresceu praticamente dez vezes.

Até então, o mês de novembro de 2020 havia registrado o maior número de mortes na fila de espera por internação (52), seguido por agosto do mesmo ano (49).

No último dia 23 de março, o Plural revelou que outros 1.688 pacientes haviam morrido na fila por UTI nas demais regiões do Paraná, cuja central de regulação é operada pela Secretaria de Estado da Saúde.

O encaminhamento de um paciente com quadro grave de Covid-19 a um leito de UTI não garante necessariamente a sobrevivência dele, mas pode significar o suporte adequado a sua condição. Alguns pacientes com Covid-19 precisam, por exemplo, de diálise, procedimento que não é oferecido nas UPAs de Curitiba. A administração municipal está estudando a possibilidade de vir a usar aparelhos de diálise portátil.

“Estamos falando de uma regulação secundária, de leitos especializados, na qual o paciente já se encontra assistido por uma estrutura de saúde”, observou Pedro Almeida, diretor do Departamento de Urgência e Emergência da Secretaria de Saúde de Curitiba, em entrevista ao Plural. “O aumento da letalidade tem a ver com a pressão no sistema. Com muitos pacientes graves ao mesmo tempo, talvez a qualidade da assistência não seja prestada igualmente para todos”.

Dos 657 pacientes que morreram enquanto aguardavam leito, 415 (63,2%) estavam na fila havia mais de 24 horas. Até fevereiro, o tempo de espera na fila era, em média, de oito horas. E cerca de 85% dos pacientes inscritos na Central de Leitos Metropolitana eram encaminhados antes de 24 horas. Em março, esses índices pioraram. Dos 394 óbitos na fila, 306 (77,7%) foram de pacientes que chegaram a aguardar na fila por mais de um dia.

Além da sobrecarga de demanda, Almeida atribui o aumento das mortes em março à variante brasileira do coronavírus. “A doença tem uma letalidade alta, mesmo com a melhor assistência, padrão ouro, vão morrer de 2% a 4% dos infectados”, observa o gestor. “Embora ainda não tenhamos um dado científico consolidado a respeito, acredito que a letalidade dessa nova cepa em circulação deve ser maior. Vimos gente jovem com um quadro extremamente grave, coisa que não se via nas ondas anteriores.”

‘Medicina de guerra’

Questionado pelo Plural sobre quais são os critérios para definir os pacientes prioritários, Almeida respondeu que, em uma situação de normalidade, o procedimento padrão seria atender os pacientes mais graves primeiro. “Mas agora, em março, como extrapolou a capacidade operacional do sistema, invertemos a ordem. Queremos salvar o maior número de pessoas. E a escolha passou a ser de quem tem maior chance de ser salvo. É uma medicina de guerra.”

Curitiba já escolhe quem recebe cuidados, mas sem transparência

De acordo com Almeida, a faixa etária dos pacientes não é critério para essa escolha. “Até maio de 2020, o Brasil utilizava a idade como critério. Agora, usamos a capacidade funcional. As pessoas muito graves deixam de ter a preferência. E aquelas com mais chance de serem salvas ganham prioridade.”

O segundo critério é o conjunto de doenças pré-existentes e a expectativa de vida da pessoa antes da pandemia. “Por esse critério, um idoso pode ter inclusive a mesma prioridade que eu, com 41 anos de idade.”

Há duas semanas, representantes da Prefeitura de Curitiba fizeram uma reunião com o Judiciário para explicar o funcionamento da central de regulação de leitos. Decisões judiciais recentes chegaram a alterar a ordem da fila.

“Na verdade, são múltiplas filas, porque os pacientes têm necessidades diferentes. Quando um juiz emite um despacho descolado da realidade, acabam furando a equidade do sistema”, diz Almeida. “Entendemos a posição dos promotores e juízes, mas essas decisões, por vezes, atrapalham.”

Nos últimos dias, de acordo com ele, os operadores do Direito passaram a perguntar se os usuários do SUS estão sendo assistidos e se estão na fila com ordenamento baseado em critérios técnicos.

Internações em poltronas

Sobre o fato de parte dos pacientes internadas em leitos clínicos de UPAs (unidades de pronto atendimento), recém-convertidas em ‘unidades de internação’ exclusivas para covid-19, estarem acomodados em poltronas, o diretor do Departamento de Urgência e Emergência disse que camas foram usadas em novos leitos ativados nos hospitais.

“Não havia espaço físico nas UPAs. E a gente precisava acomodar o máximo possível de pessoas. As poltronas são acolchoadas, confortáveis. Não são iguais macas, camas, mas são o que estava disponível para aquele momento, que exigia uma velocidade de resposta muito rápida”, argumentou. “E, pela nossa lógica, as UPAs são para os casos menos graves.“

A expectativa da Secretaria de Saúde de Curitiba é de que daqui a até duas semanas a taxa de ocupação das UTIs comece a cair gradativamente. “Já começaram a cair o número de casos e as internações em enfermarias. Mas os pacientes em UTIs ficam internados por um tempo maior.”

A administração municipal pretende fazer com que o modelo experimentado hoje, no pico da pandemia, em parte das unidades básicas de saúde, seja de alguma forma mantido no futuro.

“A ideia é deixar as unidades básicas de portas abertas à população, para atender não apenas a consultas agendadas. Atender oportunamente. Chegou lá pra ser atendida, vai ser”, antecipa Pedro Almeida. “E a UPA vai focar naquilo para o que ela foi feita: emergências.”

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