O movimento negro de Curitiba celebrou nesta segunda-feira (15) a inauguração da estátua da engenheira Enedina Alves Marques no calçadão da Rua XV de Novembro, bem em frente ao edifício Garcez. Políticos negros, profissionais de diversas áreas e militantes se reuniram em torno da escultura, que celebra a primeira engenheira negra da história do Brasil.
A homenagem a Enedina por si só já seria motivo de comemoração. Nascida em Curitiba em 1913 (apenas 25 anos depois da abolição da escravidão no Brasil), Enedina era filha de uma empregada doméstica. Mas em 1940, ela decidiu se inscrever para a Escola de Engenharia da Universidade do Paraná – atual UFPR.
Antes disso, formada na Escola Normal (curso frequentado pelas meninas para dar aulas), ela precisou se preparar para o Ensino Superior, entrando numa espécie de curso preparatório chamado Madureza – pela qual ela precisou pagar, já que se tratava de ensino privado.
Formada em 1945, Enedina era uma raridade. O Brasil não tinha ainda nem meia dúzia de engenheiras – a profissão era absolutamente dominada pelos homens. E no caso dela, além do gênero, havia a barreira da cor. Primeira negra formada na profissão, ela nem de longe se deixou intimidar.
Depois de largar a escola em que dava aulas, ela começou a atuar no Departamento de Viação e Obras Públicas. Para se impor aos operários, desacostumados com uma mulher como chefe, segundo historiador Sandro Luis Fernandes, corre o boato de que ela ia para as obras armada.
Sua obra mais famosa foi o trabalho que realizou na construção da Usina Capivari-Cachoeira, que até hoje fornece energia elétrica para Antonina. Nos discursos de inauguração, todas as autoridades reconheceram que ela foi importante para quebrar barreiras de todos os tipos, e não há dúvida de que a homenagem é mais do que merecida.
Apagamento
No entanto, há um motivo a mais para a celebração da estátua de Enedina em plena Rua XV: trata-se de uma (pequena) tentativa de reverter o apagamento que não só ela como também a comunidade negra de Curitiba como um todo sofreu ao longo do tempo.
Há 20 anos, a professora Marcilene de Souza, à época no curso de Ciências Sociais da UFPR, orientada pelo hoje falecido Pedro Bodê, fez um artigo que revelou de maneira impressionante como a participação dos negros na cidade era silenciada não apenas nos livros de história como no próprio território.
Enquanto havia uma infinidade de praças e monumentos em homenagem a migrantes europeus (Praça da Espanha, Praça da Ucrânia, Praça da França, Bosque Polonês, Bosque Alemão), mal se viam marcas dos negros que, escravizados, ajudaram a construir a cidade – e muito menos de gratidão pelo que os negros fizeram pela cidade em tempos mais recentes.
A única praça pública em homenagem aos negros era a Zumbi dos Palmares, no Pinheirinho – muito mais periférica do que as demais instalações feitas para homenagear outros povos.
Avanços
Aos poucos, porém, a presença do negro em Curitiba vem sendo revista e o apagamento parece dar mostras de ceder. Com as cotas raciais nas faculdades, passou a ser mais comum ver profissionais negros em trabalhos antes quase monopolizados por brancos. Na política, a cidade conseguiu eleger os primeiros vereadores e deputados negros, além da primeira Congressista negra de sua história.
O próprio prefeito Rafael Greca (PSD), que encomendou a estátua, financiada pela Uninter (a homenagem a Enedina fica exatamente em frente a um dos campi da universidade, o “primeiro arranha-céu de Curitiba), parece ter mudado de discurso.
Em 2019, quando da eleição de Carol Dartora (PT), a primeira vereadora negra de Curitiba em três séculos de história, Greca minimizou a questão racial. Disse que não havia racismo e usou a proximidade da própria Enedina com seus pais (o pai do prefeito era engenheiro), como prova de que os negros sempre teriam sido bem-vindos na cidade.
O discurso lhe rendeu críticas, e Greca parece ter entendido que precisava mudar. Nesta segunda, ao lado de Marli Teixeira Leite, responsável pela política de redução da desigualdade racial do município, disse que não era bem assim.
Segundo a declaração dada ao Plural, Greca acredita que o importante é “estabelecer o sentimento de igualdade, de respeito, o convívio amoroso como existia na minha casa, tanto com ela quanto com o doutor Panfilo D’Assunção”. O racismo, diz ele, “não pode ser símbolo de conflito social. A Marli está no governo para isso, para simbolizar a permanente busca da igualdade”.
O prefeito também se comprometeu a inaugurar um Parque da África, ao lado da Praça Zumbi dos Palmares, e foi elogiado pela vereadora Giórgia Prates (PT), por isso. Segundo a vereadora, representante do movimento negro, Greca tem atendido os pedidos dela para reduzir a invisibilidade do povo negro, como no caso da praça e da estátua.