Especialistas em gestão escolar apontam retrocesso em PL que muda eleição de diretores

Para estudiosos, as mudanças propostas ferem o princípio da gestão democrática de ensino e podem trazer consequências às rotinas pedagógicas

Especialistas em políticas de administração escolar interpretam como retrocesso o projeto de lei do governo do Paraná que muda os critérios para definição dos diretores das escolas da rede estadual. A proposta foi aprovada em primeira votação na semana passada e retorna nesta segunda-feira (11) ao plenário da Assembleia Legislativa (Alep), com possível aprovação de emendas para amenizar o teor das alterações. O governo diz que o modelo aprimora e inova o processo de eleição dos diretores para dar mais eficiência à administração pública. Mas na visão de quem se dedica a estudar aspectos da gestão democrática de ensino, as mudanças propostas pela equipe de Ratinho Jr. podem trazer consequências às rotinas pedagógicas e implicam em uma modalidade de cerceamento às escolas, na contramão das garantias legais.  

A autonomia pedagógica e administrativa das escolas públicas é premissa assegurada pela legislação. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), matriz do ensino público brasileiro, dá aos estados e municípios o direito de definir sobre as normas de gestão democrática, desde que preservada a participação dos profissionais e da comunidade escolar nos processos. O Plano Nacional de Educação (PNE) em vigor prevê a nomeação de diretores como uma das estratégias de consolidação do modelo.

Eleição de diretores

Para a professora do departamento de Educação e do programa de pós-graduação em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) Simone Flach, a escolha dos gestores escolares com o envolvimento da comunidade, além de um princípio, é uma medida importante para comprometer o diretor com a qualidade social e da própria educação. “Quando governos conservadores reduzem a possibilidade de participação popular na escolha dos gestores de escolas públicas, demonstram vinculação com práticas autoritárias de controle, as quais visam a subserviência da comunidade aos seus interesses. Sob tal lógica, os gestores escolares se tornam prepostos do governo, ou seja, se alinham aos interesses do governo que os indicou”, afirma a docente, que integra o quadro de associados da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae).

Em nota publicada na quarta-feira (6), a entidade criticou o projeto de lei em trâmite no Paraná – o primeiro estado do país a estabelecer proposta de nomeação de diretores a partir de votação, com lei de 1985. Desde então, uma série de mudanças redesenhou o esquema, hoje regrado por normas definidas em 2015.

Rede estadual

O novo texto encaminhado pelo Executivo almeja dar mais peso às decisões do governo no sistema de escolha dos gestores da rede estadual de ensino. Entre os pontos mais questionados da iniciativa estão o que sujeita interessados a critérios de avaliação subjetiva para validação do registro de candidatura, criando uma espécie de pré-seleção; a dissolução de um conselho consultivo com alunos e professores para acompanhar as eleições; e o aumento de cenários em que a decisão de indicação direta do governo é permitida.  

“A gente vê que neste projeto que a democracia é reduzida ao voto, então o voto é o único momento em que a comunidade entra na escola, enquanto, na verdade, o voto e a eleição dos diretores são apenas um dos aspectos na democracia na gestão escolar”, avalia Renata Riva Finatti, pedagoga e doutora em Políticas Educacionais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Não devemos abrir mão desses aspectos, mas não podemos esquecer que a democracia não se resume a eles”.

Comunidade escolar

No entendimento da especialista, a elaboração de mecanismos capazes de diminuir o peso da comunidade escolar nas decisões vai ao encontro de métodos que ignoram a complexidade do processo educacional, reduzindo-o a um modelo de gestão e resultados. A consequência, afirma, é um aumento na percepção da ineficiência da administração que justificaria com mais força, ao longo do tempo, a entrada de outros setores na educação pública – o que já é realidade no Paraná.

Desde 2020, o governo trabalha para fortalecer a presença da iniciativa privada na rede estadual de ensino. Aulas complementares do currículo do Novo Ensino Médio passaram a ser dadas por uma instituição de ensino especializada em educação a distância. No começo deste ano, duas escolas foram incluídas em um projeto-piloto que pretende repassar a gestão administrativa de unidades ao setor particular.

Mérito

“Isso faz parte de um processo que olha para o mérito, parabeniza a turma que mais frequentou a escola. Mas e se a gente for pensar na turma que menos frequentou? Como, por que e qual a realidade de cada um daqueles estudantes?”, questiona a pedagoga. “A questão da eleição dos diretores e a proposta de todos esses novos mecanismos são apenas a ponta do iceberg. Se o índice não aumentar, o diretor vai sair, mas em que condições aquele índice aumenta? Então eu vou forçar a barra para que um aluno saia da escola se ele não está de acordo com índice porque aí não só o índice não aumenta, o diretor não fica como também eu não recebo a bonificação”, questiona a professora.

Recentemente, o Palácio Iguaçu afirmou que pretende estabelecer por lei o pagamento de bônus a profissionais da rede estadual que consigam atingir as metas estabelecidas no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), principal motor das políticas de Educação da gestão Ratinho Jr. A medida foi anunciada logo depois de uma série de exonerações de diretores de escolas da rede, muitas das quais justificadas pela falta no cumprimento das métricas relacionadas ao Ideb. As demissões geraram reação da própria base do governador na Assembleia Legislativa, levando o líder de Ratinho na Casa, o deputado Hussein Bakri, a adiantar que novas propostas para a eleição dos gestores estavam em discussão.

Legislativo

O projeto enviado ao legislativo paranaense não passou por discussões prévias junto à comunidade escolar, mas avança com a promessa do governo de ser uma iniciativa elaborada para “aprimorar o método de escolha daqueles que desempenharão importante função na construção de uma educação de qualidade”. “Neste sentido, o presente projeto tem como objetivo, por meio dos processos de credenciamento e seleção, aliados à consulta à comunidade escolar, aperfeiçoar a gestão educacional e funcional das instituições de ensino da rede pública, gerando, consequentemente, maior comprometimento e eficiência à formação e aprendizagem dos alunos”, diz a mensagem do governador.

A docente da UEPG, no entanto, questiona o teor da proposta e afirma que, da forma como fio elaborado, o projeto é “um retrocesso para as conquistas democráticas”. Segundo ela, ao estabelecer regras discricionárias e permitir a livre indicação pela Secretaria de Educação, o PL fere o princípio de gestão democrática, pode contribuir para o tráfico de influências e, portanto, deveria ser rechaçado.

Educação pública

“A utilização da máquina pública para o fortalecimento do governante e de seus interesses é um desserviço para a educação pública, a qual deveria ter o compromisso com a qualidade social da educação. Um dos pressupostos essenciais para alcançar uma educação de qualidade social é o compromisso com a vivência democrática. Não alcançaremos uma sociedade verdadeiramente democrática sem participação popular em todos os âmbitos da vida social”.

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