Escolas ignoram riscos e direitos de alunos ao postar fotos em redes sociais

Uso irregular e sem autorização pode levar a indenização mesmo sem que tenha existido dano

Aviso: para ilustrar essa reportagem o Plural está utilizando imagens reais retiradas de perfis de escolas de Curitiba no Instagram e no Facebook, mas com os rostos das crianças alterados para impedir a identificação. Estamos usando essas imagens para justamente mostrar a prática disseminada de usar imagens de crianças em perfis sociais de escolas.

Um dos grandes desafios que a atual geração de crianças e adolescentes enfrenta é a falta de controle sobre o destino de fotos e vídeos divulgados publicamente em redes sociais. Não há como saber quem salvou e que uso irá fazer de imagens distribuídas online. Esse fato é parte importante do processo de educação para uso responsável da internet. Mas e quando quem ignora esse risco e os direitos das crianças é justamente quem deveria prepará-las para esse desafio?

É o que acontece em escolas públicas e privadas de Curitiba. Com base em autorizações genéricas e sem prazo, as escolas fazem pais concordarem com a divulgação pública da imagem das crianças sem nenhuma reflexão e nem sempre com o interesse e bem-estar delas em mente. “Existe uma naturalização do compartilhamento como se o direito a imagem fosse diluído. Não é o raciocínio mais adequado hoje porque é algo que vai ficar lá para sempre”, pondera a advogada Patrícia Carneiro.

A proteção ao dados pessoais, o que inclui a imagem, está previsto na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), explica a advogada especialista em Direito Processual Civil, Suzan Franche. O consentimento de uso só pode ser dado pelos pais ou responsáveis legais e “deve ser específico, além de prever que deve ser pública a forma de utilização desses dados pessoais, no caso, da imagem. Significa dizer que a finalidade para qual a imagem da criança será utilizada deve ser especificamente prevista no termo de autorização ou cláusula contratual, e não genericamente”.

A autorização de uso de imagem pelos pais costuma aparecer tanto como documento em separado quanto já no contrato de prestação de serviços na hora da matrícula. No modelo usado na rede estadual de escolas, o documento estipula a cessão da imagem “com o fim específico de publicação de conteúdo pedagógico, sem qualquer ônus para a instituição e em caráter definitivo“.

Divulgação de atividades pedagógicas é justificativa de escolas para divulgar fotos das crianças publicamente.

O texto, porém, continua estipulando que a cessão é “a título gratuito, abrangendo inclusive a licença a terceiros, de forma direta ou indireta, e a inserção em materiais para toda e qualquer finalidade, seja para uso comercial, de publicidade, jornalístico, editorial, didático e outros que existam ou venham a existir no futuro, para veiculação/distribuição em território nacional e internacional, por prazo indeterminado“.

Para Carneiro, o texto amplo e genérico não é adequado. “A cessão deveria ser feita caso a caso, especificando a situação e o uso, e por prazo determinado”, explica. O promotor do Centro de Apoio Operacional as Promotorias de Infância e Adolescência do Ministério Público do Paraná, David Kerber, concorda. “Os pais não tem como mensurar o risco”, pondera. Ele alerta que mesmo com a autorização, qualquer uso vexatório da imagem pode ser questionado mesmo que autorizado.

Kerber também alerta que a escola nunca pode exigir a assinatura da autorização como pré-requisito para a matrícula nem excluir a criança da atividade pedagógica se a autorização não for concedida. Os desrespeito ao direito de imagem dos estudantes pode implicar na obrigação de exclusão das imagens compartilhadas e até mesmo em indenização.

Autorização de uso de imagem de um CMEI.

Para Carneiro, com a tecnologia que permite a criação de “deep fakes” (vídeos e fotos que parecem reais, mas foram profundamente manipuladas), não há como saber que uso pode ser feito das fotos. Além disso, aponta, identificar a criança como estudante de uma escola é um risco também para a segurança do estudante e da família.

Já o promotor alerta que o Ministério Público pode ser acionado sempre que houver abuso no uso de imagens de crianças e adolescentes. “Sempre que houver risco de abuso o MP pode atuar”, avisa.

Como deve ser a autorização de uso de imagem

Registro de atividades acadêmicas deve ser feito usando ferramentas de acesso restrito e com regras claras.

Para a advogada Patricia Carneiro, o ideal é que os pais possam avaliar a foto e a postagem antes de autorizar. A autorização, recomenda, deve tratar de um fato específico, com determinação do local da publicação, a finalidade e o tempo pelo qual ela ficará exposta.

Em muitas escolas, porém, a autorização assinada na matrícula permite a publicação de fotos em perfis da escola em diferentes redes sociais, além de outros materiais e meios usados pelas instituições, como grupos de whatsapp e sistema de intranet. Na rede municipal, além dos perfis das escolas nas redes sociais, as fotos também podem acabar no site da Prefeitura de Curitiba, nas redes sociais da administração pública

“A escola tem que ser transparente, sempre pedir a autorização. E os pais precisam saber contexto. É uma questão ética”, indica. “É interessante verificar se aquele uso se dará observando o melhor interesse da criança e não será ofensivo à ela de nenhuma forma”, completa Suzan Franche.

Outra recomendação é que a escola evite divulgar imagens das crianças, prefira utilizar fotos em que elas não possam ser identificadas, evitar postar imagens do rosto ou borrá-lo se for o caso. Nesse caso, aponta, não é necessária a autorização. Franche também recomenda que não se use imagens de conotação vexatória, como registros da criança chorando, caindo ou outra situação constrangedora.

Mas se a opção é por publicar uma imagem de uma criança, é direito da família pedir a remoção dela a qualquer momento, mesmo após a autorização. Por isso mesmo a escola precisa ter o controle de quando e onde a imagem da criança foi publicada.

Atividades pedagógicas

Segundo o promotor David Kerber, o simples registro de atividade pedagógica, para consumo interno não exige a assinatura de autorização. O termo atividade pedagógica aparece nas autorizações de escolas municipais e CMEIS consultados pelo Plural. Mas se o pai ou mãe assinam a autorização que alega que o registro seja para fins pedagógicos, mas acontece um desvio de finalidade, cabe pedido para apagar as imagens e até indenização.

Se a publicação é feita sem a autorização, “não precisa nem provar que houve prejuízo”, aponta Carneiro. “A ação indenizatória encontra amparo não só na LGPD, mas também na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e Código Civil. A Constituição assegura o direito à indenização por danos materiais e morais decorrentes da violação à imagem das pessoas (artigo 5º, V e X)”, detalha Franche.

Mas mesmo imagens feitas para consumo interno merecem atenção e cuidado por parte da escola. “É uma questão delicada, porque há um risco de vazamento”, alerta. Patricia Carneiro recomenda a elaboração de um termo para que todos estejam cientes das regras e dos riscos. “A escola tem que ser bastante transparente”.

O importante é que o perfil da escola e as imagens divulgadas publicamente não podem ser a única forma dos pais acompanharem os filhos nas atividades escolares. “É preciso que a escola oferte uma opção diferente, privada”, destaca Kerber.

O Plural procurou o Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Estado do Paraná (Sinepe) para saber se as escolas privadas estão atentas ao assunto, mas não recebeu resposta. Também foi procurada a Secretaria Municipal de Educação de Curitiba, que informou que os professores e diretores recebem formação sobre o tema e que o uso das imagens em “materiais institucionais” é feito com autorização prévia na matrícula.

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1 comentário em “Escolas ignoram riscos e direitos de alunos ao postar fotos em redes sociais”

  1. Maravilhosa matéria. É um assunto sério. Está banalizada o uso da imagem de bebês e crianças. Precisamos proteger nossas crianças em qualquer lugar, não só em Curitiba. Parabéns pela matéria!

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