Depois do cancelamento, Monark visita Museu do Holocausto em Curitiba

Plural acompanhou com exclusividade a visita do Youtuber - que disse que o Partido Nazista devia poder existir - ao único Museu do Holocausto no Brasil

Na tarde do último dia 22 de fevereiro um grupo de 13 pessoas fez uma visita guiada comum ao Museu do Holocausto, em Curitiba. Com exceção da reportagem do Plural e da equipe da instituição, os demais visitantes não notaram que entre eles estava o youtuber Bruno Aiub, conhecido como Monark. O comunicador de 31 anos deixou o podcast Flow depois de dizer que o partido nazista deveria ter o direito de existir.

“Cancelado”, Monark foi convidado pelo Museu a ir visitá-lo. “A gente achou que essa abordagem seria mais construtiva”, explicou ao Plural o coordenador-geral do Museu, Carlos Reiss. O próprio Reiss conduziu a visita, que começou num pátio externo, com a explicação de que a missão do local é desmistificar alguns mitos em torno do nazismo e do holocausto e mostrar os elementos que foram compondo o contexto que permitiu que essa tragédia – e muitas outras – acontecesse.

Logo no início da visita o coordenador de História do museu, Michel Ehrlich, explicou que os nazistas chegaram ao poder pelo voto. “Eleições não são garantia de democracia”, ressaltou. E explicou os riscos de permitir que um grupo que é contrário aos valores democráticos participe do processo eleitoral. Na sala, uma pilha de livros lembra a censura nazista à literatura (e que não se restringiu a ela) e um painel expõe o conteúdo antissemita promovido pelos nazistas.

Museu conta histórias individuais e o contexto que levou ao genocídio. Foto: Maringas Maciel/Museu do Holocausto

Entre vários cartazes, Ehrlich destacou um que mostra uma reedição dos Protocolos dos Sábios de Sião, um texto antissemita falso criado no século XIX e que promovia a ideia de que havia um pacto judeu de dominação mundial. Segundo Ehrlich, o texto foi criado pela polícia secreta russa no século XIX, mas foi importante na propaganda antissemita nazista, num contexto de crise econômica e de busca de “culpados”.

“Quem escreveu, desenhou, falou pode não ter colocado ninguém na câmara de gás, mas tem responsabilidade. Palavras têm responsabilidade”, disse diante de um Monark calado, com as mãos nos bolsos do bermudão preto. Ao lado da capa da reedição nazista do Protocolo dos Sábios de Sião, livros infantis e propaganda antissemita. Tudo ajudando a sedimentar a ideia de que os judeus eram um mal.

Em outras salas e durante todo o tour, Reiss e Ehrlich insistiram em como a demonização dos judeus e a liberdade com que o discurso nazista circulava foram construindo condições para quem milhões fossem exterminados. “Não começa com a estrela amarela na roupa, com os trens para campos de concentração”, disse em outro momento Ehrlich. “Começa com a agressão verbal, a desumanização”.

Diferente de outros museus do Holocausto, o de Curitiba não apresenta instalações destinadas a sublinhar a enorme dimensão do massacre perpetuado pelos nazistas (no museu do Holocausto em Washington, um corredor de milhares de sapatos de pessoas mortas nas câmaras de gás impacta o visitante logo na entrada). O foco aqui é em histórias individuais, de quem morreu e de quem sobreviveu.

Cartazes de propaganda antissemita e ataques a comércios de judeus na Alemanha: projeto de extermínio começou com agressões menos graves. Foto: Museu do Holocausto

A exposição acaba num painel que aponta outros genocídios da história recente e episódios de alerta. Antes de agradecer a todos pela visita Reiss disse que “se vocês saírem achando que isso não ter nada a ver com vocês, a gente falhou”. E resumiu que o objetivo é que as pessoas entendam que “têm responsabilidade por aqueles que estão em volta”.

Sem ser reconhecido pelos demais visitantes, Monark ouviu em silêncio as apresentações, interagiu com alguns itens e não fez nenhuma pergunta. Ao lado dele, um motorista de aplicativo disse querer saber mais sobre a história para “entender o momento que estamos vivendo”.

O casal Raquel Pereira dos Santos e Francisco Santos Lima só soube do colega de tour célebre quando a reportagem do Plural os abordou na saída. Para Raquel, a reação ao comentário de Monark é justificada. “Tem que cancelar mesmo, é um absurdo”. A advogada explicou que foi fazer a visita “para entender o momento político”. “É um tema muito latente”, completou.

Ao fim da visita, a reportagem do Plural perguntou a Monark o que ele tinha achado. “Foda demais”, respondeu e explicou estar num período de silêncio. O youtuber, que no Instagram disse estar curtindo “férias forçadas de cancelamento”, agradeceu a recepção e os livros que ganhou de presente da instituição (um deles, com respostas a dúvidas frequentes sobre o Holocausto). “Sinto que eu precisava”, concluiu antes de ir embora.

Serviço: Para visitar o Museu do Holocausto é preciso fazer cadastro e agendamento aqui.

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4 comentários em “Depois do cancelamento, Monark visita Museu do Holocausto em Curitiba”

  1. Leonardo de Souza Lima

    Demais. Eles geralmente me olham, acompanham o que faço, como me porto, logo eles, tão descolados, ali bate uma sensação de desamparo… esse exercício de empatia nunca mais sai da memória.

  2. reportagem necessária. Todos os defensores de uma “suposta liberdade de expressão” para divulgar ideias autoritárias e discriminatórias, deveriam ir ao Museu e ver com o passado, o futuro que podemos estar construindo.

  3. Leonardo de Souza Lima

    Até ia tentar ser engraçadinho e celebrar o período de silêncio do moço, mas não dá. Sempre vou a esse museu, com meus alunos, e nunca deixa de me impactar. Nesse assunto não cabe piada, riso, chiste, descuido. Parabéns pela abordagem, como sempre. Abração!

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