Das pistas improvisadas ao título de capital do skate: Curitiba bombou na década de 90

O improviso marcou a chegada do skate na década de 1970, mas anos depois as coisas mudaram. Leia a segunda matéria da série sobre o skate em Curitiba

Essa reportagem faz parte da série que o Plural publica sobre a cultura do skate em Curitiba, desde 1970 até os dias atuais.

Diante do estímulo de campeonatos e circuitos e do desenvolvimento de uma indústria focada na cena do skate, os anos 90′ foram marcados pela explosão de skatistas profissionais e campeões mundiais curitibanos que fizeram da cidade uma referência na prática. Tudo o que acontecia no mundo do skate acontecia em Curitiba. Sede das principais marcas e consequentemente dos melhores circuitos, produtos e equipes, a capital paranaense se tornou, assim, a “Capital do skate”. 

No início da década de 1990, frente à carência de pistas na cidade, os skatistas precisaram se adaptar. Começaram, então, a utilizar elementos da arquitetura urbana – como corrimãos, escadarias, meios-fios e bancos de praça – como obstáculos. Chegava a Curitiba a modalidade street, e, com ela, novas possibilidades para o skate.

Com o street, o espaço público passou a ser apropriado e ressignificado pelos skatistas, ganhando novos sentidos e funções. Os praticantes da nova modalidade criavam e recriavam continuamente novas cidades possíveis, reinterpretando as ruas, bancos e corrimãos a cada volta. Dois dos locais mais conhecidos para a prática na época eram o estacionamento do Mercadorama do Jardim das Américas e o Edifício Castelo Branco, onde hoje fica o Museu Oscar Niemeyer (MON). 

Além da nova modalidade, a cena do skate dos anos 90′ contava com novas marcas – como a Drop Dead, de Carlos Eduardo Dias, o “Alemão”, e a Psico Street, de Carlos Civitate, o “Jeje” – e a crescente evolução da indústria de roupas e música. Em 1995, foi inaugurada a Maha Skatepark, no Alto da Glória, com uma pista de street e um half de madeira. Foi lá que ocorreu o primeiro campeonato brasileiro com a presença da categoria feminina, com a participação de cerca de 15 meninas de todo o país. Três anos depois, foi construída a pista coberta Drop Dead Skatepark, na Travessa da Lapa – a atual Curitiba Skate Park.

1990

Raphael Braciak, mais conhecido como Raphael “Urso”, ganhou o primeiro skate em 1986, quando ainda morava em Cascavel, no Paraná. Três anos depois, o garoto de 10 anos já participava de campeonatos em Londrina e Maringá. Em 1991, mudou-se para Curitiba, onde conseguiu os primeiros patrocínios da Psico Street e da 7.7 Skate Shop. 

“Foi fácil me enturmar. Minha primeira galera foi a da Pista do Gaúcho (Sal, Caje, Japa, Postal, Prego, Bisnaga, Gugu, Japa Júlio, entre muitos outros). Nessa época a cidade era dividida em várias galeras ‘rivais’ mas em 1994, todos começaram a andar juntos”, relembra. Mas, mesmo na capital do skate, Raphael Urso relata que a prática não era aceita. “Não nos deixavam entrar em shopping ou ônibus do transporte público. Era bizarro.”

Em 2001, com a faculdade, o jovem deixou os campeonatos, mas nunca excluiu o skate da rotina. A partir desse momento, passou a ser juiz de competições de skate amador e profissional no Brasil. Em 2014, ajudou a fundar a Pra Skate e atualmente, aos 45 anos, trabalha com a marca Skate Shoes ÖUS. “Skate é meu estilo de vida. É minha cultura e minha essência. Tudo que sou devo ao skate.”

Na mesma época em que Raphael Urso se mudava para Curitiba, Edilene Ozorio, a “Dinha”, estava tendo seu primeiro contato com o skate, andando na rua do bairro, com os vizinhos. “Todo mundo se ajudou, um pegou rodinha, outro truck, eles montaram um skate para mim e eu comecei a andar. Esse foi o início do que virou uma paixão para a vida toda”, conta. 

Adepta da modalidade street, Dinha andava muito no Castelo Branco – de onde foi expulsa pela polícia diversas vezes – e no estacionamento do Mercadorama do Jardim das Américas aos domingos, quando o comércio estava fechado. “O berço do street foi ali nesse estacionamento. Tinha também o Expoente aqui perto de casa, que tinha uma rampinha, uns obstáculos. A gente se reunia para montar os obstáculos, levava os caixotes na frente do Expoente e andava lá”, relembra.

Dinha na Pista da Drop Dead, em 2003. Foto: Arquivo pessoal

Dinha relata que quando corria campeonatos, a categoria feminina sofria muito preconceito. As meninas, inclusive, eram escaladas sempre nos piores horários. Na época, a skatista era patrocinada pela extinta marca Drop Sista, da Drop Dead. “Estávamos ali fazendo de tudo para que a categoria continuasse. A gente sentiu na pele a parte difícil, que foi de arrebentar a porta para poder abrir. As portas não estavam abertas para nós, pelo menos para o skate feminino. A gente ficava nadando, nadando, nadando e não saia do lugar.” 

2000

Foi justamente tentando incentivar e fomentar a prática do skate na cidade que Dinha criou, em 2001, a primeira escolinha de skate feminino do Brasil, a EloskateGirls. “Falar sobre o skate é importante para mudar a visão da sociedade. A gente está lutando por uma coisa que somos apaixonadas e sabemos a importância que tem. O skate é para todos, para os pequenininhos, para os velhos, para qualquer um que queira andar.”

Três anos depois da inauguração da EloskateGirls, no entanto, Dinha se formou na faculdade e precisou deixar sua paixão de lado para conseguir se sustentar como professora. A escolinha fechou, mas dela surgiu a Crew de skatistas femininas Legend Girls, que luta para que o skate feminino tenha voz e seja ouvido até hoje.

O afastamento de Dinha do mundo do skate durou alguns anos e foi tão prejudicial à skatista que chegou a afetar sua saúde mental. Após 10 anos, Dinha conseguiu conciliar o magistério com o skate e hoje, aos 45, ela dá aulas sobre a cultura do skate no Centro Juvenil de Artes Plásticas do Paraná para adolescentes entre 13 e 17 anos.

Outra integrante das Legend Girls é a curitibana Larissa Carollo, que começou a andar sobre as quatro rodas há 22 anos, quando ganhou seu primeiro skate de natal. Logo, o que era apenas uma diversão influenciada pelo primo e amigos do bairro tornou-se parte importante da vida dela. 

A então dançarina folclórica polonesa desistiu das coreografias para ser skatista. Brincando com os meninos da rua onde morava, no Campina do Siqueira, que Larissa se apaixonou pela prática. “Eu já tinha esse contato visual com o skate e com o que ele proporcionava, mas eu nunca tinha experimentado.”

Foi quando, em 1999, aos 13 anos, Larissa subiu pela primeira vez no shape do primo. “Eu pedi para dar uma volta e nessa minha primeira voltinha já tentei dar manobra, tentei pegar embalo. Ele percebeu que eu tinha jeito para o negócio e me incentivou”, relembra. Ainda naquele ano, ela participou de três campeonatos, sendo que no terceiro, o Circuito Brasileiro da Drop Dead, se consagrou campeã. 

Assim como Dinha, Larissa também preferia saltar os deslizar sobre as estruturas urbanas. “Sempre gostei de andar na rua com os obstáculos naturais, eu e minha turma do bairro, nós andávamos também na Praça da Ucrânia [na Panelinha] toda sexta-feira.” Porém, quando começou a competir, a jovem precisou treinar em pistas. 

Larissa correu campeonatos até 2007, quando teve a primeira lesão no joelho, que a afastou do skate por um ano. Nessa época, o skate feminino ainda sofria com a falta de incentivo e a desvalorização, e isso – junto da contusão – a fez decidir parar de disputar.

Por conta do descaso que o skate feminino sofria, assim como as Legend Girls, diversas meninas se juntaram para criar movimentos e coletivos a fim de reivindicar direitos que lhes foram negados por tantos anos. “Hoje, com esse incentivo de mulher para mulher, a visibilidade está se tornando mais real e realmente estamos ganhando voz para falar em nome do skate feminino.”

Da esquerda para a direita, Dinha, Maria Elaigne e Larissa, em 2018. Foto: Arquivo pessoal
As Legend Girls em 2003, na pista da Drop Dead. Na foto: Dinha, Aline Tiemi, Juliana Moreira, Jane Jofle, Camila Amaral, Ligia Maidana, Francieli Nascimento, Kali Ananda e Viviane Lunardon
Na foto: Dinha, Klaudiane Silva, Larissa Carollo, Viviane Lunardon, Vanessa, Alice Rocha, Aline Tiemi, Kelli Franco, Jane Jofle, Kalli Ananda e Debora Ribas em 2002
Angela Tupy, Diana Ramos, Raffa Garcia, Kelli Franco, Dinha, Fernanda Oliveira e Kalli Ananda na Praça do Gaúcho em 2012

Aos 36 anos, a bi-campeã brasileira e tetracampeã paranaense anda de skate por diversão. Para ela, o maior ensinamento do skate é o “cair e levantar”, lidar com as frustrações e limitações e sempre tentar de novo. “O skate é um estilo de vida, eu brinco que eu não deixo de ser skatista porque estou ficando velha. Eu vou ser skatista para sempre, nunca conheci um ex-skatista. Skate é uma questão de ser. Não se resume a títulos, e sim o que você é. Esse é seu maior prêmio.”

Os anos 2000 trouxeram diversas mudanças para o cenário do skate em Curitiba. A prática acabou “saindo de moda” e, com isso, marcas como a Maha e a Psico Street fecharam as portas, e a Drop Dead migrou a sede para Florianópolis, em Santa Catarina, deixando o skate curitibano desamparado. 

Em 2006, foi inaugurada a Praça CWB Skate e Lazer, uma skate plaza privada localizada na Rua Coronel Amazonas Marcondes, 1493, no Cabral. Um ano antes da praça ser desativada, em 2010, aconteceu na capital o primeiro Go Skate Day, inspirado nas comemorações do dia mundial do skate. O movimento, que passou a se repetir sucessivamente durante os anos seguintes, reivindicava a melhoria e a construção de novas pistas públicas.

A cultura do skate em Curitiba é diversa, multifacetada e permeada por muitos nomes que não puderam estar presentes nesta série de reportagens. Com esta matéria, o Plural não teve a intenção de esgotar todas as facetas e espectros da identidade do skate na cidade. O texto é apenas um arranhão da superfície desta história múltipla e plural que é a história do skate. 

Reportagem sob orientação de João Frey

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3 comentários em “Das pistas improvisadas ao título de capital do skate: Curitiba bombou na década de 90”

  1. Vocês são positivamente surpreendentes! Parabéns pela percepção, acuidade, pesquisa apurada e contextualização histórica e cultural (ou contracultural) do skate em Curitiba… Ótima matéria: sensível, honesta e instigante!

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