Cientistas da UFPR co-assinam carta na Science sobre riscos à biodiversidade

Autores da carta pedem que o planejamento científico desses programas corresponda ao aporte significativo de investimentos

Publicada na edição de 26 de janeiro da revista Science, uma carta assinada por 17 pesquisadores brasileiros da área de biodiversidade revela a preocupação do grupo com projetos de regeneração de biomas recém-anunciados no Brasil que ainda não se comprometeram em garantir heterogeneidade de espécies.

O grupo faz parte do Centro de Conhecimento em Biodiversidade, uma reunião de núcleos de pesquisa que, cada um dentro do seu foco, se dedicam aos seis biomas brasileiros. O texto tem entre os seus autores dois membros do Laboratório de Evolução e Diversidade Zoológica (LEDZ) do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR): o professor Fabricius Domingos e o pesquisador Hernani Oliveira.

Segundo a carta, intitulada “Aim for heterogeneous biodiversity restoration” (em tradução livre, “Visar a restauração heterogênea da biodiversidade”), a conservação de áreas remanescentes deve ser priorizada e os grandes planos de restauração ambiental precisam prever uma ampla regeneração, que é mais complexa nos biomas tropicais.

Para isso, os programas precisam ser fundamentados em políticas locais e nacionais de suprimento de conjuntos de espécies variadas da fauna e da flora. Do contrário, os ambientes regenerados serão homogêneos demais, a ponto de não trazerem os ganhos ambientais esperados, não atuando, por exemplo, para mitigar consequências da crise climática.

“O problema com os programas tradicionais de regeneração é que eles utilizam bancos de dados muito generalistas sobre a vegetação de cada local a ser regenerado”, explica Domingos. Sem compromisso com a heterogeneidade, os contratos com a iniciativa privada para planejamento e trabalho de regeneração seguem listas generalistas de espécies, desconsiderando particularidades regionais, por exemplo.

Bilhões

Os cientistas se referem especificamente a dois programas. Um deles é o Arco da Restauração da Amazônia, proposto pelo Brasil na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2023 (Cop28) no fim de 2023. A proposta do governo federal, via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Ministério do Meio Ambiente de Mudança do Clima (MMA), é, até 2050, restaurar 24 milhões de hectares da floresta, com investimento orçado em 40 bilhões de dólares no total.

O outro é o Tratado da Mata Atlântica, que foi firmado por meio do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud) entre governadores do Sul e do Sudeste, em outubro. A promessa é recuperar 90 mil hectares do bioma mais devastado do Brasil, plantando 100 milhões de árvores.

“Qualquer um que viaja de carro e percorre longas distâncias percebe que a vegetação nativa varia ao longo do espaço, seja associada à altitude, ao solo, ou mesmo com a distância. Se a regeneração for feita usando as mesmas espécies de árvores, por exemplo, nos arredores de São Paulo e Curitiba, a variação será ignorada e, no fim, teremos uma homogeneização da vegetação, que será totalmente diferente da nativa de cada região, um cenário realmente indesejável”, explica o professor da UFPR.

Frente a isso, Domingos e os demais autores da carta pedem que o planejamento científico desses programas corresponda ao aporte significativo de investimentos.

“É muito importante que já sejam planejados de forma coerente desde o início, utilizando informações próprias sobre a vegetação nativa de cada região”.

Outra preocupação do texto é com a perda de foco na proteção de ecossistemas originais, que têm papel vital para a biodiversidade.

“Idealmente, a heterogeneidade encontrada em ecossistemas de referência deveria guiar o estabelecimento de metas e a seleção de espécies. Assim sendo, é essencial proteger remanescentes naturais que servem de fonte de propagação e de referência para a restauração. Ecossistemas remanescentes também contribuem para a conectividade ecológica, viabilizando e acelerando processos de colonização”, dizem os pesquisadores na carta.

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