“A pandemia mostra que nem todos podem ser professores”

A greve de fome dos educadores escancara a desvalorização a que são submetidos os profissionais sem concurso público no PR

Eles são 20 mil, ou 25% do total de 80 mil professores da Rede Estadual de Ensino do Paraná. Mas ao contrário da estabilidade e plano de carreira a que os servidores têm direito, os professores temporários – chamados de PSS, por conta do processo pelo qual são contratados – não têm garantias. Todos os anos eles precisam utilizar maneiras diferentes de protesto para conseguir receber direitos que não precisariam ser reivindicados.

Nesta semana, profissionais da Educação ocuparam a Assembleia Legislativa e iniciaram, na manhã de quinta-feira (19), uma greve de fome para chamar a atenção do governo a suas pautas. Entre elas, a revogação do edital do Processo Seletivo Simplificado (PSS) e a criação de concursos públicos para a Educação.

“É uma estratégia legítima, tendo em vista a impossibilidade de diálogo. Temos, desde a promulgação da Constituição em 1988, o imperativo da contratação dos servidores exclusivamente por concurso público. O PSS é um contrato precário, acontece ao arrepio da Constituição”, avalia a doutora em Educação e pesquisadora do Núcleo de Políticas Educacionais (Nupe) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Claudia Silveira Moreira. 

“Quando os professores pedem o cancelamento do edital, estão sinalizando duas coisas importantes. Primeira: que é temerário reunir milhares de pessoas para fazer uma prova, no meio de uma pandemia. Segundo: é um desrespeito, pois precariza muito as condições de trabalho dos professores; não há vínculos, eles precisam se dividir em vários estabelecimentos para fechar sua carga horária. É tudo sempre muito instável.”

Ela lembra que, se um professor de carreira requisita a vaga, o professor PSS é removido daquela escola. “Então, é legítima e absolutamente necessária esta mobilização para que tenhamos de fato o resgate do que prevê a Constituição: servidor público ingresso na carreira é por meio de concurso público, com todas as garantias e prerrogativas do cargo.”

A docente ressalta que o PSS não garante uma carreira, “que é a possibilidade de assumir uma narrativa pessoal da sua vida na relação com o trabalho. Ele não permite vínculo nem com a carreira nem com as escolas, é tudo muito precário e difícil”.

Protesto é no Centro Cívico. Foto: Gelinton Batista/APP Sindicato
Profissionais estão sem comer desde a manhã do dia 19. Foto: APP-Sindicato

Pandemia

Desde março sem aulas presenciais, os pais precisaram assumir a tarefa de acompanhar diariamente o ensino-aprendizagem dos filhos. Professores se reinventaram na internet, de onde prosseguem o apoio às famílias. “É bastante contraditório, pois vejo as pessoas dizendo o quanto as famílias estão exaustas da presença constante das crianças em casa e que, portanto, têm saudade da escola, sentem falta. Ao menos tempo, não existe o reconhecimento do quanto o trabalho dos professores é altamente especializado”, observa a pesquisadora.

“A pandemia está mostrando que nem todos podem fazer o trabalho de um(a) professor(a). Existe uma exigência de formação específica no ensino e não é qualquer um que pode dar aula, ensinar e garantir que crianças e adolescentes aprendam.”

Ela alerta que estamos perdendo a oportunidade do debate da valorização, que tem tudo a ver com a ampliação da qualidade da Educação. “Um professor que tem o reconhecimento do seu papel na sociedade, tem a garantia de suas condições de trabalho, que se materializam numa política de remuneração minimamente justa. Ela é condição sem a qual não existe Educação de qualidade.”

Professores indígenas estão entre os temporários do PSS. Foto: Gelinton Batista/APP-Sindicato
Eles pedem a saída do secretário estadual de Educação, Renato Feder. Foto: Gelinton Batista/APP-Sindicato

Precarização

Claudia lembra ainda que o Brasil está sob a vigência do Plano Nacional da Educação, até 2024, e uma das metas é justamente a valorização de trabalhadores da Educação, que também passa pela realização dos concursos públicos. “O fato é que Estados e Municípios têm utilizado do estratagema do contrato temporário, do PSS, porque desta forma conseguem reduzir custos com pessoal, já que não obriga o pagamento do piso salarial, definido desde 2008. Esta é uma vantagem pra quem quer economizar com o que não dá pra economizar, que é Educação.

Esta precarização, avalia a pesquisadora, permite também que o tamanho do quadro de professores aumente ou reduza de acordo com necessidades muito imediatas. “É uma gestão que não pensa o longo prazo, sempre no curto prazo. E em Educação este tipo de gestão do sistema de ensino é altamente prejudicial pois os resultados em Educação são resultados de médio e longo prazo, nunca de curto prazo.

Por isso a importância dos planos nacional, estaduais e municipais de Educação pois eles devem ser peças que transpassam os limites dos mandatos. “São planos de estado não de governo. Pelo menos desde 2016, eles têm sido simplesmente ignorados. Nosso debate também deve ser pautado pela necessidade urgente da retomada da implementação do PNE”, conclui a doutora em Educação.

Foto: Gelinton Batista/APP-Sindicato

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3 comentários em ““A pandemia mostra que nem todos podem ser professores””

  1. A prefeitura de Curitiba já conta com CMEIs sendo regida por 100% de professores PSS.
    CMEI PARQUE INDUSTRIAL 2 É UM DELES.
    A intenção é tornar toda a rede PSS?

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