Parecer contrário a cotas em Curitiba é fruto de plágio

Texto da vereadora Amália Tortato (Novo) questiona a necessidade de cotas raciais e propõe apenas cotas por condição econômica

A vereadora de Curitiba, Amália Tortato (Novo), apresentou um parecer com sugestão de substitutivo para o projeto de cotas raciais no serviço público da capital contendo trechos completamente plagiados de outros textos. Violar os direitos do autor é crime previsto no artigo 184 do Código Penal brasileiro com pena prevista de detenção de 3 meses a um ano e pagamento de multa.

O parecer de Tortato é resultado de suposta análise da relatora do projeto de outra vereadora, Carol Dartora (PT), que propõe cotas para indígenas e negros no serviço público municipal em Curitiba. No texto, a vereadora do Novo defende que as cotas raciais não seriam adequadas ao objetivo de garantir o acesso da população a “oportunidades sociais”. Para a vereadora do Novo, o problema de falta de representatividade de pretos e pardos no serviço público é a má qualidade da educação pública, não a etnia do candidato.

“Visamos afastar os contestáveis critérios da medida proposta, para que se estabeleça um texto normativo que privilegie a população efetivamente prejudicada por menores condições de acesso às oportunidades sociais, de qualificação e de ensino, para isso utilizando-nos de um critério mais preciso e objetivo, da hipossuficiência econômica”, diz a parlamentar na conclusão do documento.

Para chegar a essa conclusão, Tortato se apoia no pensamento do economista e filósofo americano Thomas Sowell. O problema é que todo o trecho que se refere a obra dele, e também ao filósofo italiano Norberto Bobbio são idênticos a trechos do texto “A Proposta Liberal de Thomas Sowell e as ações afirmativas”, de Thaís Cristina Alves Costa publicado na Revista de Estudos dos Graduandos em Filosofia da Universidade Estadual Paulista em 2016.

Comparação entre os dois documentos. À esquerda o parecer assinado pela vereadora Amália Tortato, à direita o artigo de Thaís Cristina Alves Costa. Os trechos em vermelho são coincidentes.

Após a reportagem do Plural apontar os trechos copiados, a vereadora disse que “o parecer foi inspirado em outras pessoas que já escreveram sobre isso”. E que não se trata de um documento acadêmico. Logo em seguida encerrou a ligação por conta de um outro compromisso assumido naquele horário.

Em uma outra parte do documento, logo no início da argumentação contrária à proposta de Carol Dartora, um trecho de 17 parágrafos coincide totalmente com texto idêntico do artigo “Ações afirmativas e as cotas para negros nas universidades”, de Guilherme Santana Canhetti, publicado em 2008 na Revista Âmbito Jurídico quando ele era acadêmico de Direito.

Canhetti, informou a parlamentar, atua como assessor jurídico dela e, portanto, estava citando a si mesmo, muito embora o trecho não tenha sido sinalizado como tal.

Mais a frente, quando o parecer defende que a população negra no Paraná tem características diferentes do restante do país, quatro parágrafos são praticamente idênticos a trechos de um documento do IBGE de 2007. Uma pequena citação de um parágrafo aparece no parecer com a autoria corretamente indicada, mas o restante, não.

À esquerda o parecer da vereadora, à direita o documento do IBGE.

Segundo a advogada Carmen Íris Nicolodi, presidente da Comissão de Assuntos Culturais da OAB, o autor de uma obra pode cede-la para uso, mas a autoria permanece preservada e deve ser informada. E que assumir a autoria de texto de outro “tem repercussões civis e criminais previstas na legislação brasileira”.

Já a vereadora autora da proposta original, Carol Dartora, se declarou “chocada” e “indignada” quando a reportagem do Plural a informou do plágio no parecer que pretende alterar o projeto. “É triste. Mas será que foi na má intenção?” questionou. A parlamentar acredita que possa ter sido erro, mas lamentou o que chamou de falta de cuidado: “É como se não se não fosse importante”.

“Sou uma mulher negra que estuda esse tema e que utiliza argumentos técnicos embasados e a pessoa diz que a minha argumentação é um absurdo”, continuou. “É falta de respeito com um tema que é muito caro, muito importante numa cidade que não aceita admitir o racismo”, completa.

O projeto das cotas agora está na Comissão de Direitos Humanos, onde receberá um parecer da vereadora Sargento Tania Guerreiro (PSL).

Confira outros trechos com plágio

Abaixo o parecer e os arquivos usados nas comparações

Sobre o/a autor/a

7 comentários em “Parecer contrário a cotas em Curitiba é fruto de plágio”

  1. Daniele Biondo Crocetti

    Aos comentários passando pano para a colossal vergonha da vereadora, que subestima não só seus colegas, mas a população em geral, achando que um texto com citações sem o devido crédito aos seus reais autores passaria desapercebido, só posso dizer que para mim, como jurista, isso é mais indecoroso do que o motivo cavado para usurpar o mandato do Renato Freitas.

  2. Mais uma matéria excelente. Demonstra que, de fato, a vereadora do Novo escreveu com a profundidade do famoso “copia-e-cola”. Nos desdobramentos, a inspirada vereadora optou por uma história em quadrinhos (mal desenhada, requentada e de mau gosto, diga-se de passagem), para acusar a jornalista de ser “petista” – o que revela outra faceta da capacidade argumentativa da plagiadora (ops! vereadora); os apoiadores da senhora que se preocupa com a “hipossuficiência econômica” (mais alguém para rir comigo?) apoiam bovinamente aquilo que acreditam ser uma opinião embasada (ainda que, conforme demonstrado, esteja sustentada em plágio). Tá bom.

    Façamos um exercício: imaginemos que fosse a vereadora negra e petista que, ao produzir os seus textos, tivesse se valido de plágio. De que modo a gente curitibana com espírito novo trataria tal fato? Não existe racismo em Curitiba! Pra que ninguém me acuse de plágio, acho apropriado citar um famoso prefeito que, diga-se de passagem, recentemente, até deu umas dicas para a vereadora Dartora.

    Em tempo: a vereadora do Novo prega que se deva debater com “bons argumentos”, expressão usada no infame quadrinho que, em seu desfecho, mostra alguém sendo defenestrado, literalmente.
    Fica complicado o negócio quando o “bom argumento” se traduz em acusar os outros de a estarem acusando. Impressionemo-nos com a nova inteligência sulina.

    A casa-grande faz autoplágio desde que a primeira pessoa negra escravizada tocou o pé neste país. Na opinião deste humilde súdito, plagiadores e racistas é que deveriam ser defenestrados.

    Bom saber que Curitiba tem uma vereadora negra inteligente, elegante, comprometida e combativa.

    Ler o Plural é bom demais. Inclusive, os quadrinhos (como é possível não ser fã do Benett?). Que tal um quadrinho para conversar com a matéria da Rosiane?

  3. Amália representa o pensamento branco elitista. As pessoas que chamam a dor do outro de mimi, os que acreditam que preto é pobre pq não trabalha e não pq não tem vagas de emprego para eles, que não estuda pq é vagabundo, não por falta de políticas públicas efetivas de inclusão de toda a sua família que é marginallizada por Amálias da sociedade!

  4. Mas vcs são ridículos mesmo!!!!

    Norma da ABNT e citação da fonte é pra trabalho acadêmico, publicação de livro, reportagem, etc.

  5. Mais um artigo primário e recheado de distorções deste veículo. Acusar de “plágio” quem supostamente elabora um projeto de lei a partir de um trabalho de terceiro é de uma burrice colossal! É o mesmo que dizer que projetos de lei NÃO PODEM se referenciar em trabalhos de outras pessoas. Ou seja, o parlamentar precisaria “ser original” ao elaborar uma lei – seja lá o que isso queira dizer. Isso revela a completa ignorância de como se elabora uma lei, que não pode sair do nada, mas de fatos do cotidiano, de impressões colhidas da sociedade. Nota zero para essa suposta jornalista que, pelo jeito, matou muitas das aulas que o curso lhe proporcionou.

  6. Janeslei Aparecida Albuquerque

    A vereadora do novo pratica negacionismo hitórico, recusa-se a reconhecer os danos causados pela escravização praticadas pela branquitude escravista que ela representa, contra as populações indígenas e negras. Pessoas que foram usurpadas de seus direitos humanos básicos – como ser reconhecido como “gente”, além da negação a qualquer política de reparação social e econômica no processo da abolição, ainda inacabada. Até hoje povos indígenas lutam pelo direito a seus territórios ancestrais tomados pela invasão colonial. Tortato reincide hoje, em pleno século XXI, na violência e na negação de direitos praticadas pelo hegemonismo colonial europeu. Eleita por um partido ultraneoliberal, a vereadora que contesta a política de cotas, diz-se defensora da “educação” quando seu partido é contra qualquer política pública seja de educação, saúde, moradia, assistência e menos ainda, reforma agrária. Cotas, é uma gota d’água no oceano das barbáries cometidas contra a população negra por quase quatro séculos de escravismo, e contra a população indígena expropriada das suas terras, cultura, e vida até hoje.

  7. Eugênio Vinci de Moraes

    Curioso, é essa vereadora quem acredita que a educação é a panaceia do país. Não surpreende, é a ideia mais plagiada (sic) que existe.

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