MP arquiva investigação de rachadinha e funcionários fantasmas contra Traiano

Procuradoria diz que brechas na lei dão espaço para normalizar irregularidades entre comissionados e leva fragilidades à Justiça; caso envolve atual conselheiro do TC e outros deputados

O deputado Ademar Traiano (PSD), presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (Alep), teve investigação por suposta prática de rachadinha e contratação de funcionários-fantasmas arquivada pelo Ministério Público do Paraná (MPPR). O arquivamento foi acolhido pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça (TJPR) no fim de janeiro, encerrando uma apuração de mais de 10 anos contra o parlamentar e que chegou também a outros deputados estaduais.

A Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) afirmou não ter indícios suficientes para tornar Traiano réu. Um dos motivos alegados é que, apesar de inconsistências encontradas, o método de controle de expediente dos comissionados da Assembleia seria frágil e, portanto, não permitiria ao órgão afirmar que as jornadas de trabalho realmente não foram cumpridas.

As lacunas levaram a procuradoria a entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) por omissão contra o Legislativo, numa tentativa de tornar as regras de controle das jornadas dos comissionados da Assembleia mais rigorosas e diminuir as brechas para irregularidades. Há cerca de um mês, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) pediu ao Órgão Oficial a rejeição do recurso, seguindo linha da manifestação documentada em outubro passado pela Assembleia com a assinatura de Traiano. No dia 1º de fevereiro deste ano, Traiano foi eleito pela 5ª vez consecutiva presidente da Casa.

As suspeitas

O suposto esquema em que o nome do político esteve até agora envolvido foi descoberto pela Polícia Federal (PF) a partir de denúncias de apropriação ilegal de CPFs para nomear comissionados “frios” e desviar rendimentos – um segmento do escândalo Gafanhoto, como ficou conhecido à época. O caso inicialmente averiguado como um conjunto de fraudes em restituições do Imposto de Renda por funcionários laranjas, tornado público em 2011, ganhou proporção e se transformou em investigação de um suposto esquema de peculato ligado a diferentes parlamentares do Paraná.

Na ação de investigação contra Traiano também se tornaram alvo os agora ex-deputados Nelson Garcia e Luiz Accorsi. Eles tiveram o processo desmembrado e movido para a Justiça comum após o fim de seus mandatos. A ação penal contra Luiz Nishimori, depois eleito deputado federal, prescreveu em meio a indefinições sobre a jurisdição competente. Já as apurações relacionadas às condutas do ex-deputado Augustinho Zucchi, recém-empossado no Tribunal de Contas do Estado (TC), foram encerradas no Órgão Especial por coincidir com processo originado das mesmas denúncias e conduzido na 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba. O caso está sob sigilo.

Dos relacionados ao escândalo, Traiano é único que ainda segue com mandato no Legislativo estadual. No decorrer das apurações, o nome do deputado foi citado na delação de uma das funcionárias da Assembleia. Apontada como operadora do esquema, e hoje exonerada, ela declarou ter ficado com parte dos salários de um comissionado indicado pelo agora presidente da Assembleia ao cargo de liderança do PSDB na Casa, à época o partido de Traiano. O indicado nunca teria chegado a desempenhar função e recebia apenas uma fração do salário; o restante era repassado à servidora e ao parlamentar.

Saques de R$ 2 milhões

Uma auditoria conduzida pelo MPPR verificou a ocorrência de saques sequenciais dos assessores de Traiano, num total calculado de R$ 2,18 milhões. As apurações encontraram indícios de que cada série de saques poderia ter sido feita pela mesma pessoa, pois as operações aconteciam em um intervalo de tempo muito próximo – algumas no mesmo minuto.

Por outro lado, todos os assessores do político – incluindo dois de seus filhos – negaram a prática de devolver os salários ou parte deles ao parlamentar ou a outros funcionários da casa. No avançar das provas, o MP teve de desconsiderar o depoimento inicial da servidora por inconsistências, e o conjunto de elementos colhidos no inquérito não se mostrou suficiente para levar o caso à Justiça.

A Procuradoria também não conseguiu demonstrar ligações do mandato do deputado à época com a suposta contratação de funcionários fantasmas. Os indícios de que parte dos nomeados não cumpriam expediente nem para o deputado nem para a Casa ficaram pelo caminho à medida que, segundo a peça de arquivamento, não houve provas suficientes “para se afirmar que os assessores parlamentares sob investigação não tenham desempenhado qualquer espécie de atribuição”.

Ao longo das apurações, a Procuradoria-Geral da Justiça confrontou depoimentos conflitantes de funcionários lotados no gabinete de Traiano. Alguns dos ouvidos chegaram a afirmar não conhecer nomes que, em tese, faziam parte da mesma equipe de trabalho. Houve também quem tenha afirmado manter atividade empresarial paralela ao trabalho prestado ao parlamentar. O Ministério Público apontou que Gabriela Traiano, filha do deputado e lotada no gabinete do pai entre julho de 2004 e março de 2006, confirmou ter morado parte deste tempo em Presidente Prudente – no interior de São Paulo, mas disse que cumpria normalmente de lá todas as atividades requeridas.

Brechas

Ainda que constatadas jornadas de trabalho inconstantes, a hipótese de funcionários-fantasmas ligados a mandatos anteriores do atual presidente da Assembleia teria esbarrado em brechas da legislação paranaense que dificultam a fiscalização e a transparência do cumprimento das jornadas na Assembleia.

Atividades do Legislativo fora dos gabinetes são uma modalidade legal e compatível com a necessidade do trabalho parlamentar, mas no Paraná, segundo o MP, ainda carecem de aperfeiçoamento. Por isso, o tema virou objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade, levada ao Tribunal de Justiça em agosto do ano passado. O recurso aguarda julgamento.

A alegação principal da PGJ é de que a vagueza das leis abre espaço para a “ocorrência de eventuais ilícitos no desempenho das atribuições dos cargos respectivos, ou até mesmo sua não execução” – no estado, o tema é regido pela lei estadual nº 16.522, de 2010, e tem regulamentação específica da Comissão Executiva da Alep em ato de 2019. O pedido é para que o Legislativo se adeque a aspectos considerados insuficientes pelo Ministério Público.

Sem limite

Atualmente, a legislação do Paraná não estipula limite máximo de ocupantes autorizados a executar trabalho fora do gabinete dos deputados estaduais e não possui sistemas internos de coeficientes de metas e resultados a serem atingidos. Para o órgão, se a proposta do trabalho fora da Assembleia é coerente porque pressupõe o contato direto com a população, a Casa deveria adotar modelos de padrão de produtividade para controlar, de alguma forma, as atividades. Versão original da lei de 2010 exigia relatórios mensais de atividades, mas o requisito foi suprimido em lei de 2013.

A PGJ ainda definiu como “acanhado” o controle de frequência do legislativo paranaense e acusou falta de transparência em relação ao conteúdo. Isso porque, hoje, o controle da jornada dos comissionados é tarefa exclusiva do parlamentar, e relações de faltas e atrasos limitam-se a comunicados encaminhados diretamente à equipe administrativa da Assembleia, sem divulgação posterior nos portais da Casa. Também foi considerada frágil a falta de informações sobre onde exatamente estão localizados os assessores que não trabalham dentro dos gabinetes.

“Enfim, a formatação hoje apresentada do serviço à distância é tímida, porque autoriza que os Deputados aloquem nesse regime – excepcional, insista-se – quantos assessores quiserem, e não oferece à sociedade informações mínimas sobre quem são, o que fazem e onde estão tais servidores públicos. A lei não oferece condições mínimas de accountability, porque transforma o Parlamentar em senhor absoluto do controle da assiduidade e da produtividade de seus subordinados, com poderes amplamente discricionários para tal mister”, diz trecho do recurso em trâmite no Órgão Especial do TJ.

Para a PGJ, a falta de controle “transgride a moralidade da administração pública” e permite a comissionados trabalhar menos tempo e receber salários integrais. “De igual sorte, a eficiência está fragilizada, porque a fiscalização minimamente rigorosa poderia acarretar o redimensionamento do quadro de servidores comissionados da Assembleia Legislativa, de forma se produzir mais, com menor gasto de dinheiro”, acrescenta.

Novas regras

O que a Justiça deverá considerar se acata ou não é adoção de novos parâmetros de controle da jornada dos chamados servidores em extensão. O pedido da PGE é que a Assembleia defina uma quantidade limite de trabalhadores em gabinete liberados a cumprir expediente nos distritos parlamentares e implante metas mínimas de produtividade para todos os comissionados, além de aprimorar a transparência destas informações, a começar pela divulgação do local de trabalho dos assessores remotos, até mesmo para facilitar o atendimento da população interessada.

Ao tomar posse pela 5ª vez como presidente da Assembleia, Ademar Traiano defendeu trabalhar para melhorar os mecanismos de transparência do legislativo.

Como comandante da Casa, ele assina manifestação contrária ao recurso do Ministério Público que pede, em partes, mais publicidade às jornadas de trabalho dos servidores. As alegações da Assembleia são de que o comportamento da Procuradoria fere o princípio da separação e autonomia dos poderes e que acatar as sugestões do órgão representaria uma “ofensa à competência privativa do Poder Legislativo”.

No documento, o Legislativo paranaense defende haver uma harmonia entre as regras da Casa e as das Câmaras dos Deputados e que considera “excessiva” a demanda da PGJ para a apresentação de relatórios das atividades e para publicação, no Portal da Transparência, das jornadas cumpridas e dos endereços dos assessores lotados fora dos gabinetes.

Segundo a Alep, comissionados em funções cumpridas longe do Palácio 19 de Dezembro não podem ser submetidos ao controle de horas porque são responsáveis por tarefas fora do padrão burocrático de trabalho, algumas vinculadas ao “aperfeiçoamento dos mecanismos de participação da sociedade no processo legislativo” e outras ao “levantamento de informações e dados junto às comunidades locais, que possam auxiliar na definição de estratégias de atuação e edição de leis de interesse público”, por exemplo. A Assembleia também discorda de estabelecer um percentual máximo de nomeados remotos porque isso “comprometeria a própria atividade de representação do Parlamento, posto que a grande parte dos membros do Poder Legislativo possuem as suas bases localizadas no interior do Estado do Paraná”.

Procurada, a Assembleia não havia retorno ao pedido de posicionamento feito pelo Plural. A assessoria do deputado Ademar Traiano também não havia se manifestado até a publicação da reportagem.

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