Câmara anuncia nova sede e diz que “economias” irão pagar a conta

Análise mostra como parlamentares supervalorizam "economias" dos últimos anos e muito provavelmente vão depender da prefeitura para patrocinar novo prédio

Texto atualizado em 06/01/2023

A Câmara e a Prefeitura de Curitiba anunciaram no final de 2022 a construção de uma nova sede para o Legislativo da capital com projeto do IPPUC. O anúncio não incluiu uma estimativa de valores, mas em declaração ao site da Câmara, o presidente da Casa, Tico Kuzma, disse que irá pagar a obra com um financiamento bancário, venda do Anexo 4 e economias do Legislativo.

Uma análise feita pelo Plural nas finanças da Câmara mostra que os vereadores estão supervalorizando a “economia” que fizeram nos últimos anos – uma redução de gastos que tem mais retórica do que gestão financeira. A Câmara também parece estar cobrando uma dívida da qual já havia aberto mão.

Poupança zerada

O próprio texto oficial sobre o assunto afirma que o Legislativo de Curitiba tinha recursos no Fundo Especial da Câmara (FEC). Mas em 2016 os R$ 58 milhões foram transferidos para a Prefeitura como parte do esforço para recompor as receitas do município. A princípio havia uma promessa de que o dinheiro seria devolvido na construção da nova sede. A Câmara, porém, abriu mão dessa promessa em 2017.

Se o recurso não vem do Fundo, de onde virá? Segundo Kuzma, “só nesses dois anos, 2021 e 2022, já economizamos R$ 201 milhões em recursos públicos do orçamento da Câmara de Curitiba”. No Portal de Transparência da Câmara, o valor devolvido registrado é de R$ 36 milhões nesse período. Para chegar a R$ 200 milhões a conta da Câmara parece fazer o cálculo baseado no repasse do porcentual máximo que a Prefeitura poderia fazer por lei.

Emendas

Uma curiosidade: essa conta não inclui outro valor, o das emendas parlamentares. Em 2023, os parlamentares terão poder sobre R$ 53 milhões do orçamento da cidade, além dos R$ 177 milhões previstos no orçamento anual do Legislativo. Em 2022 foram R$ 38 milhões. As emendas são usadas pelos parlamentares para “assinar” obras nos bairros que acaba, trazendo votos para eles. É um gasto que existe em boa medida para manter o bom relacionamento político entre o prefeito e a Câmara.

Quanto aos repasses do Executivo para custeio do Legislativo, de 2016 a 2022, a Câmara tinha R$ 1,2 bilhão do Executivo previstos no orçamento municipal para a Câmara, dos quais foram gastos R$ 846 milhões. Isso representa um superávit de R$ 197 milhões, dos quais a Câmara devolveu R$ 133 milhões. No mesmo período a Casa, porém, usou R$ 203 milhões em emendas individuais e coletivas dos vereadores. Se fosse para fazer a conta desse jeito, o total de recursos sob domínio da Câmara seria, na realidade, R$ 70 milhões superior a previsão.

Ou seja, a Casa teve sob seu poder R$ 70 milhões a mais mesmo contando a “economia” que ela teria feito no período.

Em resposta a essa reportagem, a assessoria da Câmara pediu a remoção do termo “déficit” do parágrafo acima e enviou a seguinte explicação:

“Emendas sugeridas por vereadores são valores que serão gastos para manter serviços do município ao cidadão. Somar essas emendas ao orçamento administrativo da Câmara Municipal de Curitiba é um equívoco do ponto de vista orçamentário e legal, o que pode confundir o leitor. Afinal, as emendas não são utilizadas para pagar gastos administrativos da Câmara ou dos vereadores. Sugerir emendas faz parte do trabalho do parlamentar, que escuta seu eleitorado e faz essa indicação para o Executivo”.

A reportagem do Plural incluiu dois gráficos acima para detalhar melhor os dados usados no texto e apontar que muito embora o orçamento da Câmara e as emendas dos vereadores tenham funções distintas, ambos os valores saem da mesma fonte: o orçamento da cidade.

Devolução não é bem verdade

Há anos a Câmara tem investido na história de que está “devolvendo” dinheiro para o Executivo. O ritual de anunciar os valores “devolvidos” é parte tanto da abertura do ano Legislativo, quanto do encerramento. E agora também é invocada na divulgação do projeto da nova sede do Legislativo.

O que a Câmara, na realidade, fez foi transformar um problemão numa oportunidade. Em 2012 o então presidente da Casa, João Claudio Derosso foi pego num esquema de desvio de verbas que utilizava agências de publicidade e o pagamento pela impressão de jornais que nunca saíram da gráfica. O caso acabou com a carreira de Derosso e colocou sob escrutínio os recursos da Casa.

Com os gastos com publicidade visto com maus olhos e a migração das atividades de divulgação dos mandatos de materiais impressos para a internet, a Câmara se viu reduzindo gastos. Não só o orçamento da cidade estava prevendo repasses abaixo do máximo previsto de 4,5% da receita tributária, como os gastos efetivos da Casa ficaram abaixo dos valores efetivamente pagos.

Por outro lado, a prefeitura de Curitiba entrou numa grave crise fiscal nos anos seguintes, uma oportunidade ímpar: os vereadores podiam “devolver” dinheiro para o município num momento de necessidade.

Só que, na realidade, os 4,5% da receita tributária é um percentual máximo, não obrigatório. Em 2022, se considerado o máximo de 4,5%, a Câmara poderia ter até R$ 249 milhões dos quais recebeu R$ 153 milhões. Com esses dados em mãos, os vereadores resolveram capitalizar em cima da situação e passaram a chamar o fato de não gastarem além do necessário de devolução.

O objetivo da previsão Constitucional é que os municípios garantam as condições de trabalho dos parlamentares. Em Curitiba, apesar dos valores efetivamente gastos na Câmara, a estrutura do parlamento garante um salário de R$ 18 mil para os parlamentares, um gabinete com até 7 funcionários remunerados e um carro funcional. Ou seja, Curitiba está pagando o custo real de ter uma Câmara. Ao não gastar mais, o Parlamento só está cumprindo o dever de não superfaturar o serviço devido.

Nova sede da Câmara

A Câmara de Curitiba está instalada num conjunto composto por cinco edificações na região da Praça Eufrásio Correia. O principal é o Palácio Rio Branco, que foi construído entre 1891 e 1895, e é a sede histórica do Legislativo e passou por uma restauração entre 2010 e 2014. É no Palácio que fica o plenário da Câmara, a sala onde acontecem as sessões legislativas.

O Palácio, porém, é pequeno demais para uma cidade que agora tem quase dois milhões de habitantes e 38 parlamentares. O número de pessoas que podem acompanhar as sessões é restrito. Por isso a sede original ganhou quatro anexos. O Anexo 1 é o prédio de vidro logo atrás do Palácio onde fica o auditório e parte dos departamentos administrativos da Casa. O prédio seguinte, o Anexo 2, contém os gabinetes dos vereadores e os anexos 3 e 4 contém vagas de garagem e o restante da estrutura administrativa.

Segundo o release do IPPUC sobre o projeto, o novo plenário terá “capacidade para 500 pessoas e galeria para que a população acompanhe as sessões e um prédio com arquitetura inovadora e sustentável para abrigar os gabinetes parlamentares e setores administrativos da Câmara”.

O projeto da nova sede prevê a remoção do Anexo 2 e sua substituição por duas estruturas: um prédio para abrigar os escritórios da Câmara e outro para o novo plenário num total de 20 mil metros quadrados. Usando o Custo Unitário Básico da construção para dezembro de 2022 é possível estipular que o projeto custará em torno de R$ 50 milhões sem contar os custos de demolição do Anexo 2 nem os de locação de imóveis para abrigar a estrutura que funciona ali durante a execução do projeto.

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1 comentário em “Câmara anuncia nova sede e diz que “economias” irão pagar a conta”

  1. Acho que o :plural podia conversar mais seriamente com o CAU-PR, o IAB e outros órgãos relacionados à arquitetura para que comentem o papel do IPPUC (o Bárbaro) na destruição da profissão e da criatividade (que poderia ser obtida com concursos públicos).

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