As mulheres são um elo fundamental para reconectar sociedade e natureza

O dia 5 de junho foi a data escolhida para ser o dia mundial do meio ambiente pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano no ano de 1972. Desde então, foram várias as conferências mundiais para tratar […]

O dia 5 de junho foi a data escolhida para ser o dia mundial do meio ambiente pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano no ano de 1972. Desde então, foram várias as conferências mundiais para tratar do meio ambiente com reconhecidos avanços no espaço global e nos estados nacionais. No entanto, os desafios estruturantes permanecem, atualmente representados pela emergência climática, reflexo direto da crise ecológica.

A crise ecológica, multidimensional, compreende a extinção de espécies, os danos causados pela poluição do ar e das águas, o desmatamento das matas e florestas, a artificialização das cidades, a transição energética, a geração de resíduos, a intensificação da exploração de minérios, os danos causados pelos agrotóxicos, a perda das sementes da agrobiodiversidade, o desperdício, a fome endêmica e epidêmica. Na força da expressão “emergência climática” há o apelo para ações urgentes para deter as causas antrópicas que alteram o clima do planeta e ameaçam o futuro das gerações presentes e futuras.

Na realidade da América Latina e do Caribe a crise ecológica/climática deve ser entendida assumindo os efeitos da colonialidade do poder-saber-ser-gênero, assim como a dependência, que insere os países na periferia do sistema-mundo. A abstração do conceito de raça e a superexploração da força de trabalho, como afirmou Aníbal Quijano (2005), foram determinantes para o sucesso da modernidade, afirmando a Europa como o “centro do mundo”.

Os efeitos da colonialidade permanecem nos países latino-americanos e assim, a questão ambiental perpassa compreender a historicidade da subalternização dos povos originários e das pessoas racializadas ao lado da apropriação da natureza. Dessa maneira, na busca de soluções para a crise ecológica/climática se encontram, de forma inter-relacional, as causas estruturantes da pobreza e da desigualdade social, assim como a superação da insegurança jurídica na posse das terras. O meio ambiente, portanto, não é socialmente vazio, mas um importante direito humano, como assim reconheceu a assembleia geral da ONU no ano de 2022.

O desafio de buscar saídas para a crise ecológica/climática conduz ainda a uma ruptura epistemológica das relações humanas com a natureza, incorporando as dimensões do sagrado, do simbólico e do pertencimento. Os ensinamentos do Bem Viver dos povos andinos, ou a filosofia Ubuntu da África subsaariana, indicam que outra relação com a natureza é possível. O conceito de natureza é determinado pela cultura e assim deve ser entendida a expressão “meio ambiente”. Na multiculturalidade de Abya Yala, o meio ambiente saudável representa o núcleo essencial a partir do qual se pode acessar com qualidade todos os demais direitos humanos, valorizando os saberes e práticas originárias/tradicionais e a vida comunitária.

Diante da tragédia ocorrida no estado do Rio Grande do Sul e também outros eventos climáticos extremos ocorridos em diferentes regiões do planeta, precisamos questionar: como está nossa relação com a reprodução da vida? Ou ainda, quem são os grupos vulneráveis diante da crise ecológica/climática e como protegê-los?

Quando tratamos da reprodução social, para além de discutir a imposição dos papeis sociais pelo patriarcado, precisamos recordar da vulnerabilidade das mulheres diante da crise ecológica/climática. As mulheres são afetadas de forma desproporcional pela crise ecológica. Em pesquisa realizada pelo Instituto Igarapé, entre os anos de 2021 e 2022, que ouviu 287 defensoras da bacia amazônica do Brasil, Colômbia e Peru, 47% delas relataram terem sido vítimas de alguma espécie de violência. As mulheres entrevistadas relacionam a violência sofridas por elas na defesa dos seus territórios de vida com o desmatamento, os impactos dos projetos de infraestrutura, a mineração ilegal, o narcotráfico, a agropecuária intensiva e a extração ilegal de madeira. Os tipos de violência vão desde a psicológica/moral, à violência física, sexual, ao deslocamento compulsório e à desterritorialização.

As lutas das mulheres defensoras indígenas, afrodescendentes e camponesas se conectam com a defesa do ambiente como um bem comum. Suas ações colocam críticas e apresentam alternativas às dinâmicas econômicas impostas pelo modelo hegemônico de desenvolvimento. A relação destes feminismos chamados de comunitários, territoriais, camponês/popular se articulam a partir da relação intrínseca entre o corpo com o território-natureza. Como firma Lorena Cabnal, o corpo é o primeiro território de defesa, relevante para a reconexão da terra-natureza enquanto lugar de pertencimento.

A defesa do corpo-território se dá na escala institucional (estado, empresas, políticas públicas) e também na organização da vida comunitária e doméstica. Por um lado, a categoria corpo-território mobiliza as denúncias das distintas formas de opressão que se encontram expostas às mulheres defensoras em seus territórios de vida. De outro, se encontra o corpo-território reconstruído na afirmação política a partir das experiências comunitárias das mulheres das águas, dos campos e das florestas para a transição ecológica.

As experiências comunitárias das guardiãs e defensoras da sociobiodiversidade entendem a terra, as águas, as florestas e os minérios como bens comuns a serem partilhados por todas as pessoas. As práticas comunitárias das mulheres, sejam elas de cuidado com a família, pela atuação na coordenação de associações e cooperativas, nas estratégias de conservação das sementes, no trato com os animais e as plantações, traduzem uma preocupação de sobrevivência maior do que a procura pela satisfação por bens de consumo ou a reprodução lucrativa da vida. Como afirma Sílvia Federici, a preocupação com a subsistência torna as mulheres “a principal força social que impede o caminho de uma completa comercialização da natureza (2014, p.151) ”.

A experiência das mulheres é importante por que o seu trabalho reprodutivo, seja no cuidado com a casa, as hortas, os pomares, é voltada para o reconhecimento do/da outro/a. Mesmo no padrão das sociedades urbanas capitalistas o cuidado (com limpeza, alimentação, vestuário, bem estar etc.) é geralmente realizado pelas mulheres em benefício de outros/as integrantes do núcleo familiar. Esse trabalho foi e é importante para o desenvolvimento do próprio sistema capitalista, ainda que não remunerado e reconhecido, sustentando o trabalho dito produtivo e realizado fora do espaço doméstico.

Por fim, acredito que seja permanente o desafio de refletir sobre a conexão que existe entre as diferentes formas de opressão, isto é, trabalhar na perspectiva interseccional para a defesa do meio ambiente limpo, saudável de forma articulada com as opressões de raça, classe e gênero. Precisamos entender que toda crise apresenta momentos positivos para mudança e assim, no dia 5 de junho, é importante refletir acerca da importância da reconexão das sociedades humanas com o mundo natural, o que perpassa a compreensão da noção de natureza como bem comum e do reconhecimento da reciprocidade enquanto uma pedagogia da esperança, como nos ensinou Paulo Freire.

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

error: Conteúdo protegido
Rolar para cima