Trabalho e filhos: uma hora a mulher não aguenta

Psicólogos começam a retratar como síndrome de Burnout não apenas o esgotamento com trabalho fora de casa. Mulheres sofrem esgotamento com dupla jornada

O dia de Bruna* e do marido, Eduardo*, começa às 6 da manhã. Eduardo acorda, toma banho, café e sai para trabalhar às 6h30. Enquanto o marido está a caminho do escritório, Bruna já tomou banho, mas ainda está em casa arrumando o filho, Luis, de 3 anos, para a escola.

O menino costuma reclamar e pedir para ficar em casa, o que atrasa a rotina de escovar os dentes, trocar de roupa e comer. Advogada em uma empresa, Bruna ainda limpa cocô e xixi da cachorrinha da família e coloca água e ração para ela.

Mãe e filho vão juntos para a escola, onde chegam por volta das 7h40. Vinte minutos depois Bruna chega ao trabalho, onde vai participar de reuniões, audiências e realizar todas as atividades de uma advogada trabalhista. Ela tenta encerrar o dia às 17h30 para ir buscar o filho na escola. Duas vezes por semana, o caminho para casa inclui uma parada na frutaria, para garantir as frutas e verduras do cardápio da família.

Quando chega em casa, por volta das 18h, Bruna cuida da cachorrinha, coloca roupa para lavar, limpa a pia e lava a louça. A rotina inclui também o banho de Luis, a preparação do jantar e um tempo reservado para brincar com o filho antes de colocar o menino na cama.

Essa correria intensa não é só de Bruna. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNAD-C), do IBGE, mostram que as mulheres brasileiras trabalham, em média, 7,6 horas a mais por semana com afazeres domésticos e cuidados com outras pessoas do que os homens.

Em Curitiba, enquanto os homens acima de 14 anos realizam, em média, 9,7 horas de trabalho doméstico ou cuidado com outras pessoas, as mulheres na mesma faixa etária gastam 17,9 horas com as mesmas atividades, no mesmo período. Isso significa uma hora a mais por dia de trabalho, todos os dias.

Síndrome de burnout

O resultado dessa discrepância a psicóloga da maternidade do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Flávia Ramos Duarte, vê no dia a dia: mães esgotadas e doentes. “Isso vem do cansaço excessivo e estresse prolongado”, alerta.

Segundo Duarte, o diagnóstico de esgotamento e de Síndrome de Burnout costumava ser resultado do excesso de trabalho profissional, mas agora passou a ser identificado na mulher que acumula o trabalho com o cuidado com a casa, os filhos e o marido. “Ela tem que exercer várias funções. Quando as coisas ficam em desequilíbrio, ela tende a ficar mais estressada e esgotada”, explica.

No caso das mulheres que têm filhos, o problema é mais grave porque o cuidado com as crianças “dura 24 horas por dia”. “Hoje a mulher tem que trabalhar porque a renda dela é importante para a família, mas a divisão de tarefas não evoluiu o suficiente e há sobrecarga”, completa.

Nas pacientes, esse esgotamento se manifesta numa sequência de problemas como estresse, dores de cabeça excessivas, fadiga, depressão, problemas de memória, ansiedade. “Você vê tudo isso numa mulher só. É o corpo pedindo ajuda”, alerta. Em situações extremas, continua, a sobrecarga pode resultar em depressão crônica, transtorno de ansiedade, transtorno obsessivo compulsivo, pensamentos suicidas e doenças psicossomáticas. “A mulher se vê sem saída”, completa.

Crises e pedidos de divórcio

Bruna já se viu esgotada inúmeras vezes desde que Henrique nasceu. “Já pedi o divórcio umas quatro vezes”, diz brincando, mas a sério. A primeira crise de cansaço foi logo nos primeiros meses do bebê, que acordava várias vezes a noite para mamar. “Não conseguia fazer xixi sem ele estar no colo! Não dormia”, lembra.

Na última crise, Bruna decidiu fazer academia todos os dias. “Super emagreci e estava muito bem com a minha vida”, diz. “Era um tempo para mim, mas meu marido se incomodou, minha mãe reclamou”, completa. Acabou desistindo. “O que me irrita não é a rotina da criança, é esse mundo machista pra caramba, que cobra só da mulher”, desabafa.

Duarte aponta que é importante o envolvimento do parceiro nas tarefas diárias. “O homem está mais presente, mas é muito forte na nossa sociedade [a relação da mulher com a maternidade]. Ela toma isso para si. O homem trabalha, ajuda, mas encara como ‘faço quando dá’. A mulher não tem isso de não poder”, diz.

Trabalho só aumenta

Os dados do IBGE mostram que a perspectiva das mulheres não é de redução na carga de trabalho. No recorte de horas de trabalho doméstico e de cuidado com outras pessoas por faixa etária, a média de horas se mantém em torno de 10 por semana para os homens, mas entre as mulheres começa em 15,8 horas dos 16 aos 29 anos e sobe 18,8 horas dos 30 aos 49 anos e chega a 19,3 horas a partir dos 60 anos.

O índice de pessoas do sexo feminino que realizam trabalho doméstico também é maior que o de homens. No Brasil, 77,5% dos homens realizam tarefas domésticas e 89,4% das mulheres fazem o mesmo (entre pessoas de 14 anos ou mais).

Para a psicóloga Flávia Duarte, além de haver uma mudança cultural, com as mulheres compartilhando mais responsabilidades com os homens, é necessário também que a mãe tente reservar um tempo para cuidar de si. “O cérebro precisa de uma recompensa. Ele não pode seguir só com o estresse, sem um momento de prazer”, explica.

E não precisa ser nada muito elaborado. Incluir na rotina uma saída com as amigas, ler um livro, ir para a academia pode fazer muita diferença para quem não tem tempo de esperar que a cultura de delegar os cuidados com filhos e idosos às mulheres mude.

*Os nomes foram alterados a pedido da entrevistada.

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