Profissionais da cultura pedem diálogo e socorro

Sem poder trabalhar durante a pandemia, setor enfrenta dificuldades – inclusive para conversar com o poder público

“Eu sou do tipo que não desiste”, conta a cantora Janine Mathias que, assim como trabalhadores de outras áreas, viu seu trabalho impossibilitado pela pandemia do coronavírus. Brasiliense, a cantora mora há dez anos na capital paranaense – quatro deles vivendo de música, depois de abandonar uma carreira estável na área comercial. Com espaços culturais, bares e casas noturnas fechados, fica difícil viver de música. 

Enquanto não é seguro promover aglomerações, eventos culturais ficam em suspenso, impactando uma cadeia que envolve artistas, profissionais da área técnica, e produtores. O problema é que ações propostas pelos governos estadual e municipal não são suficientes para aliviar os problemas vividos pelo setor. Organizados, os profissionais buscam dialogar com o poder público: “Não é reclamar das ações em curso, é não ver outras ações. […] Até agora não estamos vendo um plano”, destaca a produtora Bina Zanetti, com mais de 20 anos de experiência no mercado. 

As dificuldades são muitas: além da falta de alternativas para receber pelo trabalho on-line, e sem poder optar por meios tradicionais, a burocracia e a vontade da administração pública passam a ser empecilhos. “O que incomoda é que vários estados estão se movimentando, aprovando ações específicas para que artistas tenham salário mínimo. Nesse sentido, nosso governo está deixando a desejar”, diz Janine. Em São Paulo, por exemplo, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa lançou – ainda em março – um crédito de R$ 500 milhões para os setores de turismo, cultura, economia criativa e comércio. 

Em meio ao período de incerteza profissional, a cantora Janine Mathias – que é celíaca, e não pode ingerir glúten – passou uma semana internada por conta de uma contaminação que a deixou bem debilitada. Mesmo de volta à própria casa, ainda não foi possível se restabelecer totalmente. Sem poder se apresentar ou recorrer às lives por causa da saúde, parte de sua renda hoje é resultado da venda de canecas que eram comercializadas nos shows, e de projetos realizados por amigos, como o Dia de Rainha, e a campanha “1 milhão de 1 real”, bem como da Associação dos Celíacos do Paraná (Acelpar). 

Busca por diálogo e visibilidade

“Temos muita intenção de dialogar. Somos um grupo de pessoas que trabalham com isso há muito tempo, sabemos da dificuldade da máquina pública. Conseguimos entender o outro lado, mas sentimos um distanciamento”, diz Bina. 

Entidades já protocolaram ofícios à Secretaria de Comunicação do Estado do Paraná sugerindo ações e solicitando mais flexibilização em algumas medidas; os profissionais também buscaram dialogar com a Prefeitura de Curitiba, e se articularam com vereadores. Outro problema, no entanto, é a urgência da situação. “Precisamos que o Estado entenda que para nós isso é uma emergência – de ter comida na mesa mesmo”, diz Bina, salientando a diferença que existe entre a visão do poder público e a do setor. 

Se por um lado o discurso governamental é no sentido de “retomar uma normalidade”, os profissionais receiam que essa normalidade não retorne tão cedo, e querem ampliar o debate sobre as medidas que estão em curso, mesmo que as avaliem como insuficientes. “Isso vai resolver o problema de cultura da cidade? Existe um olhar para entender esse mercado?”, questiona a produtora. Vale ressaltar que a classe ficou de fora do auxílio emergencial disponibilizado pelo Governo Federal. 

Em terras curitibanas 

No âmbito municipal, a luta é pela aprovação de assistência emergencial por meio de um Projeto de Lei que está parado na Câmara – passando pelas inúmeras comissões antes de ir ao plenário. Um pedido de tramitação em regime de urgência da proposição foi protocolado em 27 de abril, mas não teve o apoio necessário dos vereadores: faltou uma assinatura.

O setor relata problemas, também, com projetos incentivados que estão paralisados pela rigidez da burocracia local, e pelas limitações impostas pelo Fundo Municipal da Cultura. O orçamento deste ano está aprovado, mas ficará parado até que os projetos que recebem o incentivo sejam concretizados, o que poderá acontecer, em alguns casos, até 2022. Em reunião com a Prefeitura na semana anterior, ficou estabelecida a criação de um grupo de trabalho para analisar a situação do setor na cidade – uma medida que levará tempo. 

Em abril, a Fundação Cultural de Curitiba (FCC) lançou um edital de R$ 450 mil para beneficiar 300 projetos culturais – R$ 1.500 para cada projeto. A ação, no entanto, só teve o resultado divulgado agora no começo de junho. Os contemplados receberão o recurso dentro dos próximos dias – entre eles, o projeto inscrito pela cantora Janine. A FCC também estuda o lançamento de um segundo edital, mas sem data de lançamento prevista. 

Enquanto o auxílio não vem, a classe segue buscando alternativas. “O que me motiva a continuar é acreditar que música é minha missão nessa terra, que ela transformou minha vida para melhor e que ela tem o poder de unir as pessoas”, diz Janine.

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