A Editora Moinhos está publicando uma antologia da poeta alemã Uljana Wolf, nome de destaque no cenário europeu mas ainda inédita por aqui. O livro Nosso amor de trincheira nosso trânsito de fronteira foi organizado e traduzido por Guilherme Gontijo Flores e Ricardo Pozzo. Abaixo, você lê em primeira mão um dos poemas do livro.
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I
meus pais
são homens simples
eles têm filhas
como eu bem sou
perguntamos com trato
trajamos bordado
a palavra do pai
mesmo nos bosques mais negros
II
meus pais
não são homens simples
eles têm filhas
como eu bem sou
falamos com trato
caçamos com trato
a palavra do pai
mesmo nos bosques mais negros
III
minhas bocas
não são pais simples
uma fala
fiz a medida
outra cala
fui esquecida
o resto é desacordo
o resto prevalece
IV
meus pais
são agrimensores simples
um vai
um chama
e outro ajunta
terras pra contar
V
meus pais
não são agrimensores simples
um fica
um chora
e outro averba
o que os mapas calam
VI
minhas bocas
são filhas simples
nossos cadastros
trazemos atentas
sob os corações
escrevemos nele:
o amor tem área
fiável com data e lugar
VII
minhas filhas
não são bocas simples
sofremos tanto
teimamos na espreita
escrevemos em parênteses:
o amor vaga porém
ao redor dos mapas
(já vimos isso)
VIII
meus pais
não são rimas simples
no jogo o amor fuma um cigarro
com filtro sem fazer pigarro
minhas filhas
não são bocas bobas
(mas deviam ser)
(trad. guilherme gontijo flores)
Uljana Wolf (Berlim, 1979) é poeta, tradutora e editora formada em Germanística, Anglística e Estudos Culturais, pela Humboldt Universität, em Berlim. Tem dois livros de poesia publicados: kochanie ich habe brot gekauft (2005), falsche freunde (2009) e meine schönste lengevitch (2013), além do livro sonne von ort (2012, em parceria com Christian Hawkey, poeta americano, seu marido). Já recebeu alguns prêmios literários, tais como o Peter-Huchel-Preis, Dresdner Lyrikpreis e o Villa Aurora grant in Los Angeles. Além disso, traduziu para o alemão alguns poetas de língua inglesa, como Matthea Harvey, Christian Hawkey, Erín Moure e Cole Swensen, e coeditou o Jahrbuch der Lyrik (2009). Atualmente mora em Nova York.
Guilherme Gontijo Flores (Brasília, 1984) é poeta, tradutor e professor de latim na UFPR. Publicou os poemas da tetralogia Todos os nomes que talvez tivéssemos, divididos em brasa enganosa (2013), Tróiades (2014-2015, www.troiades.com.br), l’azur Blasé (2016) e Naharia (2017), além de carvão : : capim (2018). É tradutor de A anatomia da melancolia, de Robert Burton (4 vols, 2011-2013), Elegias de Sexto Propércio (2014) e Safo: fragmentos completos (2018), dentre outros. Escreveu em parceria com Rodrigo Tadeu Gonçalves o livro ensaístico Algo infiel (2017), é coeditor da revista escamandro (www.escamandro.wordpress.com) e membro do grupo de performance e tradução Pecora Loca.
Ricardo Pozzo (Buenos Aires, 1971) é músico, fotógrafo, poeta, tradutor, curador , blefador e produtor cultural. Integrou o coletivo Pó&Teias (2003 – 2011), é curador do projeto Vox Urbe (2011—) que se iniciou nos porões do WNK Bar e agora num outro formato, em parceria com a Processo Multiartes. Curador da websérie Pássaros Ruins (2013—) que está em sua terceira temporada e pode ser encontrada no Youtube. Publicou o livro de poemas Urbe Fagocito Z (2012) Alvéolos de Petit Pavê (Patuá, 2015) e Cidade Industrial (Kotter, 2017).