No desfecho de “Marte Um”, face ao que parece uma dificuldade intransponível, o pai, feliz de haver reencontrado a família, diz algo como: “A gente dá um jeito”. Dar um jeito está na vocação de vida do brasileiro, não importam as dificuldades. Com afeto, tudo se torna possível.
Tudo começou com uma imagem a perseguir o diretor Gabriel Martins. Um garoto, num campo de futebol, olhando para o céu. Parece pouco para dar origem a um filme tão rico e emocionante, mas foi assim. O garoto que tenta carreira no futebol, o pai e a mãe, a irmã. Foram crescendo – a história e o roteiro.
De fundo, logo no início, a eleição de Jair Bolsonaro. “Marte Um” está em cartaz nos cinemas brasileiros depois de passar pelos festivais de Sundance, em janeiro, e Toulouse, em março e abril. Desde o debate no Festival de Brasília, quando o repórter levantou publicamente a questão, já se falava em “Marte Um” como um candidato do Brasil a uma vaga no Oscar de melhor filme internacional de 2023.
Acolhida
A empresa mineira Filmes de Plástico colocou Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, no mapa do cinema mundial. O dinheiro é curto, a criatividade, imensa. Desde a boa acolhida a “Marte Um” em Sundance, a ideia era chegar logo às salas.
“Queríamos que o filme fosse lançado antes do acirramento do processo eleitoral. Daqui a pouco não vai se falar em outra coisa no Brasil”, explica o produtor Thiago Macêdo Correia. Em Gramado, muito se falou sobre o humor do filme. Mas não se trata de uma comédia rasgada. Talvez uma “dramédia”. O elemento melodramático é muito forte.
Havia gente chorando – um monte de gente – no final da apresentação oficial do filme no festival. “Superou a expectativa. É um filme sobre sonhos e o nosso era trazer o filme a Gramado. Já havíamos escolhido a data de estreia antes mesmo de saber que ‘Marte Um’ estaria na seleção”, explica o diretor-roteirista. “Histórias de família podem ser universais e esse é o nosso jeito de contar história, com personagens diferentes e uma família potente.”
Periferia
Resumindo: a família é preta, periférica. O pai, ex-alcoólatra, é porteiro de um prédio de classe média alta; a mãe é doméstica e, vítima de uma pegadinha, passa a agir como se tivesse perdido o eixo. A filha está embarcando numa relação que não é a sonhada pelos pais e o filho – o garoto – está dividido.
O desejo de ser astro de futebol é do pai, não de Deivinho. Seu sonho é ser astrofísico, para embarcar num programa da Nasa – o Marte Um – que promete levar terráqueos ao chamado Planeta Vermelho. Qual é a chance de isso ocorrer com um garoto brasileiro e periférico? “A chave do filme é a empatia, e a potência vem da possibilidade de identificação, que já testamos com as plateias de Sundance, Toulouse e Gramado. Eu adoro o cinema iraniano, conheço a periferia de várias cidades e países através do cinema e, apesar das diferenças culturais enormes, consigo entender e me identificar com esses personagens distantes só pelo olhar deles sobre as coisas.”
Onde assistir
“Marte um” está em cartaz no Cine Passeio (aqui).