Coletivo Selvática abre temporada no teatro Novelas Curitibanas

Peça "Yo vi el fin del mundo y me gustó" retoma aquilo que faz do teatro uma arte única: o encontro entre artistas e público

“Yo vi el fin del mundo y me gustó” é o primeiro espetáculo com estreia de temporada presencial pela Selvática Ações Artísticas desde o início da pandemia em março de 2020. Com temporada no Novelas Curitibanas até 13 de março, a peça traz para a cena um encontro em um teatro destruído com o objetivo de criar estratégias de fuga, fins e recomeços. Não se sabe como os personagens chegaram ou desde quando estão ali. O espaço é metalinguístico e pode ser um casarão, um set de filmagem, um campo minado. São apresentados destroços que pedem reconstrução. 

Entretanto, muita coisa mudou ao longo dos dois anos de produção marcados por idas e vindas. Foi mantido esse ponto de partida do enredo, aprovado no edital do Fundo Municipal de Cultura Teatro Novelas Curitibanas, em 2019 – um dos raros que permite algum trabalho de pesquisa das companhias. Permaneceu ainda a relação forte com narrativas e imagens de fim de mundo, quase uma premonição sobre o que estava por vir com a covid-19, além da vontade de trocar entre os criadores, de experimentar com a trupe e de ter o público presente. Tais anseios são determinantes na trajetória do coletivo, que tem como identidade o intercâmbio e um teatro contemporâneo com trabalhos de revisitação do cabaré.

Mas uma nova inspiração apareceu com os desafios impostos: o espelho. Francisco Mallmann, artista e pesquisador responsável por roteirizar a dramaturgia construída de forma coletiva, explica por que propôs ao elenco a quebra de espelhos no processo para os cacos serem enterrados perto da sede da Selvática. “Estava pensando muito sobre como o computador, o telefone e as plataformas eram espécies de espelhos ininterruptos, a gente sempre precisava olhar e estar se olhando”, diz Mallmann.  “A não presencialidade, o encontro que era virtual, fazia com que tudo fosse espelho. Começar quebrando essas autoimagens, nos fez sair desse ensimesmamento colocado pela pandemia, dessas solidões.” 

Intercâmbio na criação

A troca na criação é tão forte que a direção é assinada em dupla por Marina Viana e Ricardo Nolasco. Viana é mineira e está em Curitiba para a montagem e a temporada. Quando o projeto começou, ela estava em Belo Horizonte e a primeira leitura foi pela internet. Utilizar esse “espelho” no fazer teatral era incomum antes do coronavírus aparecer. Segundo a também dramaturga e atriz, a prática on-line se tornou cotidiana. “No período pandêmico, realizamos encontros e experimentos nos mecanismos possíveis, como mostras e webcabarets no Zoom e no Instagram. A gente passou por tudo isso junto de uma certa forma.”  

O contato com a diretora começou em 2011, no Fringe, quando alguns dos futuros integrantes da Selvática assistiram ao espetáculo “Elizabeth está atrasada”, do coletivo Primeira Campainha. Viana também atua no Teatro 171, conhecido por ações festivas e cabarés. No ano seguinte, um intercâmbio reuniu os paranaenses e mineiros em uma iniciativa do Galpão Cine Horto na capital de Minas Gerais. A partir de então, a troca não parou. “É uma conexão de irmandade”, diz a artista. Tanto que, em ‘Yo vi el fin del mundo y me gustó’, estão oito criadores no palco e não somente atores. O dramaturgo está em cena, a iluminadora, a figurinista, os diretores: “Todes”, como fazem questão de enfatizar.

Um exercício de possibilidades

Nolasco é um dos diretores mais presentes na companhia, ao lado de Semy Monastier, Gabriel Machado e, anteriormente, Leonarda Glück – que agora está em São Paulo. Para ele, a direção não envolve necessariamente autoridade. “Nas escolas que ficaram com reflexos da modernidade, o diretor diz o que é para fazer, às vezes trata mal as pessoas. Não acredito em nada disso. Gosto de me colocar nesse lugar, da direção, para exercitar outras possibilidades.”  

Essa postura é fundamental para respeitar a ideia de coletivo, de encontro, de estar construindo em conjunto.

Teatro nos tempos de pandemia

Entre os desafios, esteve o planejamento de como oferecer segurança para os artistas e o público. A premissa era construir uma obra com a ética na qual acreditam e incorporar as novas necessidades. Microfones já eram parte da proposta original, entretanto as máscaras PFF2, os face shields, as divisórias típicas dos bancos, as janelas abertas quase durante todo o tempo, os dois metros de distanciamento (que reduziu a plateia a 15 lugares mediante reserva), e os materiais pesquisados para o figurino, tornaram-se elementos estéticos. “A gente foi treinando e experimentando, para chegar a uma arte presencial neste momento. A gente está falando de fim de mundos, então esses elementos começaram a dialogar com a proposta”, diz Nolasco. 

Para além das escolhas que interferem no objeto da arte, as providências resultaram em mudanças até no orçamento. Antes dos encontros presenciais, Viana afirma que todos foram testados. A equipe fará novos exames para diagnóstico da covid-19 semanalmente, o que implica em altos custos. Estratégias para substituição de atores ou cenas também estão em estudo, para que o caso de alguma contaminação não interrompa a temporada. 

Enfim, o teatro

Tanto para os diretores quanto para o dramaturgo, a presença ao vivo é a fonte da vitalidade da peça. Existe uma forte motivação vinda da retomada daquilo que faz do teatro uma arte única: o encontro entre os artistas e o público.

Peça teatral

“Yo vi el fin del mundo y me gustó”, do coletivo Selvática. Em cartaz no Teatro Novelas Curitibanas – Claudete Pereira Jorge. De quinta a domingo, às 20h. Duração: 75 min. Temporada até 13 de março. Entrada gratuita, mas com o limite de 15 pessoas por sessão. Reservas pelo e-mail: [email protected]

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