A curiosidade sem fim de Werner Herzog

No contexto de situações extraordinárias, à beira de um vulcão, por exemplo, cineasta alemão tem uma curiosidade pelas coisas mais absurdas e também pelas triviais

Werner Herzog tem um senso de humor peculiar. Mas você não diria isso só de olhar para ele, ou só de ver os filmes dele. Até porque não existe nada engraçado nas obsessões de “Fitzcarraldo” (1982) ou na insanidade de “Aguirre – A cólera dos deuses” (1972), duas histórias impressionantes.

Aí você senta para assistir a um dos documentários de Werner Herzog. “Encontros no fim do mundo”, por exemplo, quando ele viaja para a Antártida disposto a retratar os pesquisadores que vivem na Estação McMurdo para o Discovery Channel.

Numa entrevista com um cientista que pesquisa a vida de pinguins há mais de duas décadas, uma das primeiras perguntas que o cineasta faz é: “Pinguins enlouquecem?”. O cientista parece que esboça um sorriso – não dá para saber com certeza –, mas responde, impassível: “Eles às vezes ficam meio desequilibrados”. Em outras palavras, Herzog quer saber se existem pinguins que podem se cansar da vida de pinguim e abrir mão de tudo. (Mais tarde, no mesmo filme, ele chega a encontrar um pinguim desequilibrado.)

Hahaha

O humor de Werner Herzog não é feito de piadas, hahaha, kkkk. Tem mais a ver com uma curiosidade sem fim – uma curiosidade que abarca o trivial e o absurdo – dentro de situações que pessoas comuns dificilmente terão a chance de experimentar.

Em “Visita ao inferno”, o filme de Herzog sobre vulcões feito para a Netflix, ele entrevista cientistas que pesquisam atividades vulcânicas em várias partes do mundo. Para um desses pesquisadores, Clive Oppenheimer, que acabou virando um amigo e colaborador (os dois fizeram juntos “Fireball”, para a Apple TV+), Herzog está mais interessado em saber como escapar de uma possível erupção, pois o cientista trabalha na borda do vulcão, filmando, aferindo temperaturas e colhendo dados.

E ganha uma resposta: você nunca deve dar as costas para um vulcão. Ao escapar de uma erupção, deve manter a calma e observar a trajetória dos jatos de lava de modo que possa desviar e não ser atingido por eles.

O crepúsculo do mundo

Agora, a editora Todavia lançou no Brasil o primeiro romance de Werner Herzog, “O crepúsculo do mundo”. É um livro fino, com menos de cem páginas, que se inspira na história real do soldado japonês Hiroo Onoda. É um Herzog clássico: o militar recebeu a missão de lutar contra os americanos durante a Segunda Guerra Mundial, e de fazer isso na selva das Filipinas. Ele não deveria desistir da missão em hipótese alguma e deveria, se fosse o caso, dar a vida pelo Japão.

A guerra acabou, mas esqueceram de avisar Onoda. Quer dizer, até tentaram avisar Onoda e ele acreditou que os folhetos que davam a informação – a guerra acabou e o Japão perdeu – eram mentiras distribuídas pelo inimigo.

Na verdade, “O crepúsculo do mundo” funciona menos como um romance e mais como um texto que parece pronto para ser narrado por Herzog em mais um de seus documentários. É curioso que, sendo um homem do cinema, Herzog parece ter dificuldade de criar imagens em texto.

Assim, a narrativa tem descrições que procuram situar o leitor no ambiente e na rotina de Onoda, mas elas não são vívidas. As palavras do Herzog escritor não conseguem evocar as cenas que ele descreve.

“A noite se revolve em sonhos febris, e, já ao acordar, a paisagem, como um arrepio gélido, é um sonho crepitante de estática transformado em dia, um sonho que se recusa a desvanecer, tremelicante como luzes de néon mal conectadas”, escreve Herzog. É como se o texto fosse uma narração em off que carece das imagens que deveriam sustentá-la.

E faz falta a voz do cineasta, com seu inglês teatral e a pronúncia carregada do sotaque alemão. Ainda assim, o livro é cria de Herzog. Não há nenhuma dúvida disso. E o senso de humor está lá.

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